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Lisboa e o terremoto de 1755

Portugal se tornou uma paixão na minha vida de forma bem curiosa que um dia ainda irei compartilhar com vocês, mas o fato é que desde que coloquei meus pés naquela terra, nunca mais quis sair de lá. Por força do destino, tenho a sorte de sempre retornar ao país e a cada vez volto mais apaixonada. Um país acolhedor, bonito, com pessoas extremamente receptivas, com uma gastronomia sensacional, um nível de educação e organização invejável, enfim, tudo é capaz de produzir um encanto imediato sem o menor esforço.

E já que estamos falando de um país tão especial, sua história e conquistas não poderiam estar de fora. Pensando nisso, resolvi compartilhar um pouco com você, que pelo jeito também tem um carinho especial pela terrinha, alguns fatos marcantes sobre Portugal e sua história. Eventualmente falarei também algumas de episódios curiosos e divertidos, afinal, quem não gosta de um papo solto e descontraído, não é mesmo.

Dito isso, hoje vou compartilhar com você um pouco sobre um fato histórico que me deixou muito curiosa quando estive em Lisboa pela segunda vez e fui visitar o Lisboa Story Centre, por lá eles exibem um filme encenado explicando como foi o terremoto de 1755, o mais devastador de toda sua história, além de ter algumas salas de exposição a respeito da reconstrução da cidade.  Este foi primeiro contato direto que tive com esta passagem importante da história de Portugal e como isso afetou e modificou toda a estrutura do país. Podemos dizer que  esta Devastação abriu caminho para a modernização da capital portuguesa e provocou impacto na filosofia e teologia do século 18.

1755_Lisbon_earthquake

Lisboa e o terremoto de 1755

Na manhã de 1º de novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, aproximadamente as 9:30 da manhã, Lisboa foi cenário de uma das maiores tragédias da história. Um terremoto de magnitude 9, na escala Richter, que durou de seis minutos a duas horas, conforme o local, abriu enormes rachaduras em todo o solo lisboeta. Logo em seguida um maremoto com ondas de mais de 20 metros de altura varreu o Terreiro do Paço. Como se não fosse bastante, uma série de incêndios deixou milhares de mortos e durante 6 dias completaram o cenário de destruição de toda a Baixa de Lisboa. Muitas igrejas foram destruídas no extremamente devoto Reino de Portugal, ironia que impactou o pensamento da época.

A devastação da cidade, antes de traçado medieval, também possibilitou o nascimento do desenho atual das ruas da capital portuguesa.

Além de Lisboa, todas as cidades do Algarve sofreram destruição, que se estendeu por  Fez, Meknés, Safim e Agadir, no Marrocos. Os abalos atravessaram o Atlântico chegando aos Açores, Madeira, Antigua, Martinica, Barbados e à costa americana. De uma população de 275 mil habitantes, em Lisboa, crê-se que de 40 a 90 mil morreram, além de outras 10 mil, no Marrocos.

Cerca de 85% das construções de Lisboa foram destruídas, incluindo bibliotecas, palácios, conventos, hospitais e igrejas. Várias construções que sofreram poucos danos pelo terremoto foram destruídas pelo fogo que se seguiu ao abalo sísmico.

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A recém construída Casa da Ópera, aberta apenas seis meses antes, foi totalmente consumida pelo fogo. O Palácio Real, que se situava na margem do Tejo, onde hoje existe o Terreiro do Paço, foi destruído pelos abalos sísmicos e pelo tsunami. Dentro, a biblioteca de 70 mil volumes e centenas de obras de arte, incluindo pinturas de Ticiano, Rubens, e Correggio, foram perdidas. O precioso Arquivo Real com documentos relativos à exploração oceânica e outros documentos antigos também foram perdidos.

O terremoto destruiu ainda as maiores igrejas de Lisboa, especialmente a Catedral de Santa Maria, e as Basílicas de São Paulo, Santa Catarina, São Vicente de Fora, e a da Misericórdia. As ruínas do Convento do Carmo ainda hoje podem ser visitadas no centro da cidade. O túmulo de Nuno Álvares Pereira, nesse convento, também se perdeu.

A família real e suas tendas

Quase por milagre, a família real escapou ilesa à catástrofe. O Rei D. José I e a corte tinham deixado a cidade depois de assistir a uma missa ao amanhecer, encontrando-se em Santa Maria de Belém, nos arredores de Lisboa, na altura do abalo. A ausência do rei na capital deveu-se à vontade das princesas de passar o feriado fora da cidade. Depois da catástrofe, D. José I ficou com tanto medo de viver dentro de paredes , que passou a viver num enorme complexo de tendas e pavilhões nas colinas da Ajuda, nos arredores de Lisboa. O Marquês de Pombal instalou-se também em tendas do mesmo tipo.

Essa claustrofobia real nunca diminuiu , e só depois da morte de D. José I é que a sua filha Maria I começou a construir o Palácio Real da Ajuda , que está no local do antigo acampamento de tendas .

O Marquês do Pombal, Ministro da Guerra e futuro Primeiro-ministro de Portugal ordenou ao exército a imediata reconstrução de Lisboa. Conta-se que à pergunta “E agora?” respondeu “Enterram-se os mortos e cuidam-se os vivos” mostrava como ele estava focado na reconstrução de Lisboa e o quanto  era organizado. Sua ação rápida organizou equipes de bombeiros para combater os incêndios e recolher os milhares de cadáveres para evitar epidemias. O Marquês ordenou também que o exército ocupasse  Lisboa contendo as desordens e os saques.

Alegoria_ao_Terramoto_de_1755,_João_Glama_Strobërle

Para evitar e punir os roubos e o saqueio dos bens das habitações destruídas, Pombal criou equipes de três funcionários, um juiz, um padre e um carrasco, e quem fosse apanhado a roubar ou a saquear, era ali mesmo julgado e pendurado nas muitas forcas que foram montadas para o efeito. Bastava aparecer com moedas chamuscadas nos bolsos para poder ser julgado como saqueador. Todas as embarcações que estacionavam no Tejo, junto a Lisboa, foram inspecionadas para verificar se tinham bens saqueados na cidade. Em menos de um ano a capital estava limpa e a reconstrução começara.

Assim nasceu a nova Lisboa Pombalina, com o seu urbanismo causando admiração ao mundo inteiro. Ruas largas, com um traçado geométrico e passeios revestidos com pedras. Casas construídas todas da mesma altura, com quatro ou cinco pisos, fachadas padronizadas, alicerces para resistir aos possíveis novos terremotos, assentadas sobre estacas de madeira, e, entre os edifícios, muros corta-fogos, para evitar a propagação das chamas. Construiu-se uma rede geral de esgotos, acabando com o velho hábito de jogar despejos e líquidos fecais, pelas  janelas, acompanhados pelo grito de “água vai”. O Marquês ordenou que os esgotos tivessem uma dimensão onde um homem pudesse andar a cavalo dentro deles. Quando lhe criticaram a largura das ruas, ele contestou: “Ainda um dia as vão achar estreitas”.

Baixa_Pombalina_2

Acontecendo em uma nação católica, que espalhara a Fé, o terremoto de Lisboa abalou não só a cidade, mas todo o Mundo. Como a capital  de um país com uma grande tradição de evangelização tinha sofrido tal castigo? Isto levantou problemas religiosos em toda Europa, pois para muitos fora uma manifestação da cólera divina de difícil explicação, que o Marques contestou por métodos científicos e esclareceu para a população suas reais causas em um folheto. Assim, esvaziava-se a crença de que tudo fora um castigo de Deus, e de que eram indispensáveis as penitências.

O novo centro da cidade, hoje conhecido por Baixa Pombalina é uma das zonas nobres da cidade. Ali estão os primeiros edifícios mundiais a serem construídos com proteções antissísmica, que foram testadas em modelos de madeira, utilizando-se tropas a marchar para simular as vibrações sísmicas. Esse centro era uma antiga área de porto, mercado, salga de peixe e de produção de garum ou liquamen, uma pasta muito usada, na Antiguidade romana.

No terreiro do Paço surgiu a Praça do Comércio, homenagem que o Marquês de Pombal quis fazer aos comerciantes que, com o seu dinheiro, ajudaram a reconstruir Lisboa.

Rua Augusta Arch_01

“Podemos complementar que embora o terremoto tenha tido dimensão catastrófica, Lisboa como conhecemos hoje, tão bela e iluminada, não existiria.”

Confira abaixo este vídeo feito pela RTP sobre o trágico terremoto de novembro de 1755 que devastou Lisboa.

Referências:

Antonio Carreira – As Companhias Pombalinas – Editorial Presença – Lisboa – 1982

João Lúcio de Azevedo – O Marquês de Pombal e a Sua Época – Alameda Casa Editorial – SP – 2004

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