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Todo carnaval tem seu fim? O que aprendemos sobre preconceito e intolerância?

Por que termos em iorubá custaram pontos à Unidos de Padre Miguel? Uma reflexão sobre racismo religioso e a luta pela valorização da cultura afro-brasileira no Carnaval

preconceito e intolerância
O que aprendemos sobre preconceito e intolerância?


Na avenida, onde os tambores ecoam como corações despidos, o Carnaval se apresenta como um espelho do Brasil: multifacetado, vibrante, mas não imune às rachaduras de sua história. Em 2025, a Unidos de Padre Miguel, escola de samba que há décadas tece narrativas de resistência, viu sua pontuação minguar por um motivo que expõe uma ferida causada por uma estrutura que ainda mata nos dias de hoje, quem diria que o uso excessivo de termos em iorubá em um samba-enredo, seria motivo de incompreensão e estranhamento para um jurado? Nossa, logo no carnaval, um lugar tão “branco”, não é mesmo? (contém ironia, tá). E para melhorar, ainda tem carnavalesco, que em 2025, apoiando-se no peso de uma estrutura que ainda mede cultura pela régua do colonizador, diz que falar sobre cultura identitária é algo desgastado.

Mas vamos lá, o iorubá não é apenas uma língua; é um rio que carrega orixás, ancestrais e memórias de um povo arrancado de sua terra. Cada termo questionado nas letras da escola é um verso de resistência, um fragmento de religiões historicamente perseguidas. A penalização à Unidos de Padre Miguel não é um acaso, mas um episódio de racismo religioso estrutural — um sistema que venera a diversidade no palco, mas a pune nos bastidores.

Desde o período colonial, as manifestações africanas foram criminalizadas. Terreiros queimados, festas proibidas, sincretismo como sobrevivência. Hoje, mesmo com a constituição que garante liberdade religiosa, o preconceito veste novas máscaras. Nas regras de avaliação do Carnaval, o “excesso” de iorubá revela um padrão eurocêntrico: o que é estranho ao ouvido branco torna-se “hermetismo”, como se a cultura negra devesse se explicar para ser validada.

O samba, filho da diáspora, sempre foi trincheira. Nas letras das escolas, repousam histórias de dor e glória. Ao punir a Unidos de Padre Miguel, o que se cala não são apenas palavras, mas a voz de quem insiste em existir em sua integridade. É a mesma lógica que persegue crianças de axé no recreio ou profana estátuas de Iemanjá: a negação do sagrado negro como legítimo.

Contudo, há nessa questão uma ironia dolorosa: o Carnaval que se alimenta da estética afro-brasileira condena sua essência. As plumas e os passistas são celebrados; os atabaques e os inkices, tolerados apenas se diluídos. A estrutura racista não pede licença; age sob o véu da “neutralidade”, como se houvesse neutralidade possível em um país construído sobre hierarquias de raça e fé.

Mas a Unidos de Padre Miguel não caminha só. Sua queda é um grito que ecoa além da avenida. Lembra que cada agressão ao iorubá é uma tentativa de apagar marcas de identidade. Com todo este preconceito e intolerância, ainda assim, a resposta vem na levada do samba: insistir, como fez Dona Ivone Lara, que a cultura negra não pede permissão para ressoar.

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