Iniciativas como a preservação do Sítio Arqueológico dos Aflitos, no bairro da Liberdade, em São Paulo, destacam a importância de recuperar histórias apagadas
O bairro da Liberdade, em São Paulo, é conhecido como um dos principais polos da cultura japonesa no Brasil. Entretanto, por trás de suas lanternas vermelhas e ruas repletas de referências orientais, há uma história invisibilizada: o papel central da população negra na formação da região. Durante o século XIX, a Liberdade foi palco de execuções públicas de negros escravizados e, posteriormente, abrigou o Cemitério dos Aflitos, local onde eram enterrados escravizados, libertos e marginalizados, sem cerimônias e sem dignidade.
Apesar dessa profunda conexão histórica, a narrativa predominante sobre o bairro ignora sua relação com a história afro-brasileira. O nome “Liberdade” carrega uma ironia histórica, já que remonta ao Largo da Forca, atual Praça da Liberdade, onde ocorriam os enforcamentos públicos. O processo de urbanização e a chegada de imigrantes japoneses na região ajudaram a reconfigurar sua identidade cultural, deslocando a memória da presença negra para um segundo plano.
Hoje, o Sítio Arqueológico dos Aflitos é um dos poucos marcos que testemunham essa história. Descoberto em escavações recentes, ele se tornou um símbolo da luta por reconhecimento e preservação da memória afrodescendente. Grupos comunitários e movimentos sociais vêm batalhando para que o local seja oficialmente reconhecido como patrimônio histórico, promovendo ações culturais e educativas para resgatar a narrativa apagada.
Chaguinhas e o bairro da Liberdade
Entre as muitas histórias que conectam o bairro da Liberdade à memória negra está a de Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinhas, que foi um soldado negro envolvido na Revolta da Armada, movimento de militares insatisfeitos com atrasos salariais e más condições de trabalho no início do século XIX. Ele ganhou notoriedade por liderar manifestações contra a injustiça sofrida por soldados.
Condenado à morte por enforcamento em 1821, sua execução, realizada no Largo da Forca — hoje a Praça da Liberdade —, marcou a região como um local de resistência e martírio.
Durante sua execução, segundo relatos históricos, as cordas utilizadas no enforcamento se romperam duas vezes, o que foi interpretado pela multidão como um sinal divino de que Chaguinhas não deveria morrer. Apesar do clamor popular, ele foi executado, transformando-o em uma figura simbólica de luta contra a opressão e injustiças sociais.
Sua memória, embora pouco lembrada, integra o legado afro descendente do bairro da Liberdade, que resiste ao apagamento. Hoje, iniciativas que buscam preservar essa história trazem à tona a importância de figuras como Chaguinhas para a construção de uma memória coletiva mais justa e inclusiva.
Entre lanternas e barracas
No coração da Liberdade, entre referências da cultura japonesa, como lanternas, lojas e barracas de comida oriental, há um único marco que remete à história negra da região: a estátua da sambista Madrinha Eunice. Essa homenagem reconhece a mulher que, aos 12 anos, deixou o interior e fundou a Lavapés, uma das mais antigas escolas de samba da cidade.
Além disso, a região foi um ponto central de opressão estatal durante o período colonial e imperial. O pelourinho, onde negros e indígenas eram torturados, ficava onde hoje está a Praça do Tribunal de Justiça. Após a desativação do cemitério, o bairro começou a abrigar populações negras, indígenas e pobres, enquanto se conectava a rotas de fuga para quilombos como o do Jabaquara e o de Saracura, áreas que deram lugar à expansão urbana de São Paulo.
Apesar do apagamento histórico, movimentos sociais e iniciativas culturais trabalham para manter viva a memória negra da Liberdade, evidenciando a pluralidade de histórias que compõem o bairro.
A invisibilização da história negra na Liberdade reflete um padrão mais amplo no Brasil, onde as contribuições afrodescendentes à formação da sociedade são frequentemente marginalizadas. Resgatar essa memória não é apenas um ato de justiça histórica, mas também um esforço necessário para combater o racismo estrutural e ampliar as vozes que constroem a identidade do país.
Reconhecer o legado negro do bairro da Liberdade é reconhecer que sua verdadeira história é plural e complexa. Preservar locais como o Sítio dos Aflitos e promover debates sobre o tema são passos fundamentais para garantir que essa memória não seja mais apagada, permitindo que as futuras gerações conheçam e valorizem a verdadeira essência do bairro.
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