São mais de 3 milhões de mortes, o sentimento de perda se instala. Sigmund Freud, que perdeu sua filha para a epidemia de gripe espanhola em 1920, pôde elaborar seu luto? O que os psicanalistas têm a dizer em tempos de pandemia?
A realidade imposta pela pandemia não só abriu fendas inimagináveis em saberes como ciência, medicina e cultura, mas também obrigou a população a sepultar seus mortos com escassos rituais fúnebres.
Frente a esse quadro, psicanalistas refletem e buscam escutar as diversas respostas possíveis que cada sujeito é capaz de criar para o mal-estar que assola nossa civilização. As mortes pela Covid-19, por conta do perigo de novas contaminações, trouxeram restrições às cerimônias de despedida, culminando em mais uma consequência para os que ficam: como poder se despedir sem contar com o apoio dos que também amaram, conviveram e se relacionaram com aquele que morreu? Essas cerimônias são importantes para que a dor possa ser expressa e compartilhada, já que o processo de luto é essencialmente caracterizado por uma tristeza que leva a pessoa a se ensimesmar.
A psicanalista Marilene Kovalski, autora de um dos textos de Psicanálise e Pandemia, da Aller Editora, recorreu a Freud para elaborar uma resposta sobre o momento que vivemos e foi surpreendida com a semelhança entre o relato do pai da psicanálise e o sofrimento de milhões de pessoas que vivem atualmente com as restrições impostas aos rituais de luto. Em trecho de uma carta enviada a Pfister sobre a perda de sua filha, Sophie para a pandemia de gripe espanhola, Freud escreve:
“Nesta tarde, recebemos a notícia de que nossa doce Sophie em Hamburgo havia sido arrancada de nosso convívio por grave pneumonia, arrancada em meio a uma saúde brilhante, de uma vida plena e ativa como mãe”.
Para Freud foi um choque, pois o rito de transitoriedade entre o antes e o depois, a vida e a morte, havia sido ceifado. Quais seriam então as consequências dessas mudanças na vivência do luto para a reorganização do psiquismo? Para Fernanda Zacharewicz, psicanalista, publisher na Aller Editora e doutora em Psicologia Social pela PUC/SP, Freud analisa o luto como um processo inevitável. Ainda que se possa adiá-lo, não há como fugir dele eternamente. Alguns conseguem lidar de forma mais natural, outros o transformam em melancolia e outras patologias e podem precisar de ajuda de um profissional da área da saúde mental para seguir em frente.
A verdade é que o vazio deixado por quem se foi é diferente para cada um. E é a partir dele que o sujeito terá que construir novas possibilidades de vida. A psicanálise ainda tem muito o que construir sobre o luto. A solução definitiva não existe, a elaboração do luto é sobretudo um processo de criação própria de cada sujeito.
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