Cotidiano Black

Brasileiras negras que moram nos EUAs destacam as diferenças entre os dois países no combate ao racismo

Os protestos contra o racismo têm ganhado força no mundo inteiro e os movimentos negros têm conquistado cada vez mais espaço

combate ao racismo

A desigualdade racial já acontece há séculos, e os últimos acontecimentos motivadores dos protestos, tocaram a todos de uma forma mais profunda. A pandemia do coronavírus também ajudou a trazer uma reflexão mais humanizada, de forma ainda mais intensa. Pois, pesquisas mostram que, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil o número de mortos pelo COVID-19 também é maior entre as pessoas negras. 

Segundo a consultora e especialista social Cris Kerr, fundadora da CKZ Diversidade,  a população mais vulnerável, da classe D e E, 78% é formada por pessoas negras que não tem acesso a plano de saúde e dependem, no caso do Brasil,  do SUS, que oferece um bom atendimento, mas está com superlotação. Junto a isso os negros também são as mais afetadas pela violência, a maior taxa de mortalidade é de jovens negros de periferia.  

Por todos esses motivos os protestos contra o racismo têm ganhado força no mundo inteiro e os movimentos negros têm conquistado cada vez mais espaço, e os brancos estão percebendo os seus privilégios e se engajando mais nesse tema, especialmente as mulheres.  

“Muitas mulheres estão percebendo a importância de se engajar nesses movimentos. E não adianta não ser racista é preciso ser antirracista, pois só assim haverá uma transformação.”

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Foto: Viviane Faver

Cris descreve que o racismo é um processo de relações de poder e o Brasil possui um racismo estrutural, quem está no poder, em todas as esferas, são as pessoas brancas.   “Precisamos desconstruir isso, é importante sim ter ações afirmativas como cotas nas universidades para que elas tenham acesso à educação e metas para inserção de pessoas negras nas empresas.”

A consultora costuma dizer nas suas palestras que a única coisa que separa uma pessoa branca de uma negra chama-se oportunidade. Por isso é importante trabalhar, criar oportunidades para que as pessoas negras estudem e acessem as esferas de poder. 

Assim como inclusão nas empresas, que elas tenham metas de contratação de pessoas negras, não só para a base, como acontece hoje, estagiários(as) e jovem aprendiz. É importante que tenham ações e políticas afirmativas para que a gente consiga mudar esse cenário, principalmente para mulheres negras. 

Mulheres negras brasileiras que moram dos EUA contam suas experiências 

A jornalista Daniela Azeredo, nasceu em Venâncio Aires, Rio Grande do Sul, e se mudou para Califórnia há 5 anos. Ela conta que os protestos em Los Angeles e Oakland continuam intensos.

“Eu participei dos protestos. Acho importante o que está acontecendo. Precisamos expandir a consciência sobre o racismo que não é de agora. Existe, perdura por anos, séculos. O que aconteceu agora foi um grito (que estava preso na garganta) de desespero, de quem já não aguenta mais tanta desigualdade no mundo. A questão é que cansamos de tanto apanhar do sistema em que vivemos”, desabafa. 

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Daniela Azeredo – Arquivo pessoal

Comparando o racismo entre Estados Unidos e Brasil, Daniela descreve que nos Estados Unidos, os negros se unem para buscar seus direitos, gritam, protestam. Não ficam calados. E no Brasil a comunidade negra consente mais rápido, pois não possui a cultura de continuar com as vozes unidas, se calam e aceitam esse sistema desigual. 

Ela chama a atenção para a discriminação da mulher negra que é ainda maior. “Além do peso de ser negra, existe o peso de ser mulher. Somos desqualificadas e desprestigiadas em muitos setores. É uma realidade. Eu sou jornalista e tenho uma empresa aqui na Califórnia. Mas lembro quando estava no Brasil, trabalhando em veículo de comunicação, e decidi vir para os Estados Unidos, muitos colegas de profissão questionaram minha vinda, sugerindo que eu iria vir para ser “dançarina de boate”, e não porque tinha decidido vir para me qualificar profissionalmente. Enquanto uma colega branca, também tinha decidido vir para Estados Unidos na mesma época, mas para eles a decisão dela de morar aqui era motivo de orgulho, de aplausos.  As negras são subestimadas, parece que não podemos conquistar nada por mérito. E quando conquistamos, ainda existe a resistência de admitirem que conseguimos crescer em nossas posições”, conta a jornalista.

Entre as soluções que ela acredita que pode dar certo estão leis mais duras para evitar que o racismo continue imperando em conjunto com a autorreflexão. Porque muitas vezes não ‘enxergamos’ atitudes racistas no nosso cotidiano, nas nossas falas, justamente porque amenizamos, dizendo que “é só uma piada”. É importante repensar, para que possamos combater atitudes que machucam, ferem. 

“Somente vamos combater o racismo, quando as pessoas aceitarem que ele existe e decidem mudar essa realidade juntos. Quero ver um mundo mais igual para os meus filhos, e poder dizer que fiz parte de uma mudança importante e significativa da sociedade”, reforça Daniela Azeredo.

Jornalista Thais Pimenta, que mora no Brooklyn, Nova York, conta que, em sua opinião, o racismo se dá de maneiras mais objetivas, por exemplo quando a polícia gentilmente distribui máscaras para pessoas brancas em parques no Upper West Side, em Manhattan e prende violentamente pessoas negras,  simplesmente por estarem em um velório em Crown Heights, bairro negro do Brooklyn. 

Thais Pimenta – Arquivo pessoal

Enquanto no Brasil, apesar de a gente ver o mesmo comportamento se tratando de asfalto e favela, ainda existe essa amarra escravocrata que não nos deixa dizer que existe racismo no Brasil. Então os negros morrem mais, trabalham mais, ganham menos, mas ninguém diz que é por causa da cor da pele. Atribuem à pobreza ou outras coisas.

“Então eu acho que em cada lugar, tanto o Brasil como os Estados Unidos, com seu tempo diferente de entendimento sobre o que é o racismo, com estruturas diferentes que dão suporte ao racismo, estamos todos buscando meios de romper e buscar mais igualdade”, descreve. 

Ela lembra ainda que  em lugares como Minnesota, nos EUAs,  já estão articulando o fim do departamento de polícia que será substituído por uma guarda social, mais focada em moradia digna, educação e direitos civis, porque eles entenderam que a polícia é uma instituição racista. 

 No Brasil ainda estamos na fase da  discussão para as pessoas entenderem o que é racismo, o que é ter privilégios por ser branco e que realmente a pessoa branca não tem culpa por ser branca, mas ela tem condições de usar esse privilégio para diminuir as desigualdades, cobrando a presença de pessoas negras nas empresas, nas escolas, nas propagandas e imagens de produtos, e também nos âmbitos sociais como festas, reuniões, enfim não basta não ser racista, tem que ser anti-racista. 

“O simples fato de ter pessoas negras presentes em meios que não são comuns , é fundamental para desassociar o negro dos trabalhos subalternos, para que a gente comece a ser visto como iguais, para que ninguém mais questione ao ver um médico negro, um apresentador de TV negro, negros em restaurantes chiques, para que uma pessoa negra não ser parada pela polícia por estar caminhando em ruas de bairros ricos, enfim, para que a gente comece a ser visto no imaginário brasileiro como iguais (tanto por brancos, como por nós mesmos) e aí então vamos poder lutar por coisas mais complexas como igualdade salarial, acesso a bens e serviços, além da proteção e manutenção à vida negra”, finaliza a jornalista Thais Pimenta.  

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