Dicas & Destinos

Que tal um mochilão, de moto, pelo sul do Brasil?

Atire a primeira pedra quem assistiu ao filme “Diários de Motocicleta” (2004), de Walter Salles, e não saiu da sessão com uma vontade irresistível de viajar pelo mundo em cima de uma moto? Pois foi exatamente isso o que a artista circense e professora da Escola de Circo Plantando Alegria (www.plantandoalegria.com.br) Pri Tavares e o seu marido, o gerente de redes Lello Coelho, resolveram fazer no final do ano passado – não em cima da estradeira Norton 500, como a do protagonista do filme citado acima e que era chamada por Che Guevara de “La Poderosa”, por resistir, bravamente e até o último suspiro, aos trancos e barrancos da viagem pela América Latina, mas em cima de uma Lander 250 da Yamaha que, com todo respeito à queridinha do casal, não é recomendada para viagens longas como a que eles realizaram, de São Paulo a Punta del Diablo, no Uruguai.

Estrada para Chuí (7)

O mochilão do casal tinha tudo para dar errado: equipamento inadequado, metas arriscadas, longa distância, desconhecimento do percurso, pouco dinheiro para imprevistos e viagem solitária e, portanto, insegura. Mas, apesar dos avisos preocupados dos familiares e amigos, a dupla partiu estrada a fora, com mala nas costas e algumas coisitas más. O que o casal trouxe na volta foi um álbum cheio de fotos, várias histórias, novos amigos, aprendizados e uma vontade de repetir a dose, desta vez sentido Norte/Nordeste do país.

Canion Fortaleza

Canion Fortaleza

A viagem só foi possível por causa de dois fatores primordiais: o casal dedicou seis meses planejando cada detalhe, o que minimizou os riscos, e fez um forte preparo psicológico e físico.  Nesta entrevista, exclusiva para o portal Embarque na Viagem, eles contam um pouco mais sobre essa aventura.  Ao término dela, garanto que você, como eu, terá vontade de preparar as malas e por o pé na estrada.  Boa leitura!

Estrada da Graciosa (24) Estrada da Graciosa (8)

Como surgiu a ideia de viajar até o Uruguai de moto?

Lello: Sempre gostei de fazer mochilão e tinha um bom tempo que não fazia um. Então, um certo dia, perguntei pra Pri: “tô afim de fazer outro mochilão!!! Vamos!?”.  Lembro que estávamos andando de moto na ocasião. Ela respondeu que sim… Mas não levei aquela resposta muito a sério.  Ela nunca tinha feito uma viagem deste tipo antes e ela já havia mostrado, em outras ocasiões bem menos hard, pouco entusiasmo com uma experiência como esta.

No mochilão, você tem que estar preparado para tudo. De moto isso é ainda mais necessário; tem chuva, vento, fome, frio, calor, ficar acordado, dormir no duro, não dormir, entre muitas outras coisas que podem acontecer no caminho. Enquanto ela sempre se mostrou menos disposta a enfrentar imprevistos, eu curto não ter roteiros pré-estabelecidos, decidir por uma rota completamente diferente só porque achei a estrada mais interessante.

Canela-RS

Canela-RS

Como vocês decidiram o impasse entre optar por um roteiro determinado ou pelo caminho que o coração levar?

Lello: A opção foi escolher um meio termo: traçamos o roteiro, mas ele não seria imperativo. Se desse para cumprir, ótimo. Se não, aceitaríamos o imprevisto. Fizemos um pré-acordo: eu não abriria mão de sair da estrada ou parar para conversar com os outros. E ela não teria o direito de reclamar ou me apressar. Com esse acordo, ela se animou e começou a pesquisar os lugares de passagem. Foi quando decidimos: já que íamos até Chui, melhor seria dar uma esticada até o Uruguai.

Priscila: Com o nosso objetivo traçado, comecei a pesquisar e definir o roteiro, primeiramente num papel de pão. Como gostamos muito de praia, a condição principal era que todo o percurso beirasse o mar. Mas sempre tive o sonho de conhecer Canela e Gramado. Então, já que estávamos indo para o Sul, dei um toque especial, repleto de subidas e descidas.

Ilha do Mel (19) Ilha do Mel (60) Ilha do Mel (56) Ilha do Mel (36)

Por quanto tempo vocês estudaram e se planejaram para a viagem?

Lello: Admito que, depois do roteiro estabelecido, mentalmente eu o dividi em dois: a viagem completa, chegando ao destino, e a metade do percurso – que era a que eu, sinceramente, achei que aconteceria. Iniciei uma preparação psicológica para que ela entendesse o que realmente seria aquela viagem: meses antes, bastava passearmos de moto e passarmos por imprevistos, como frio e chuva, repetia para ela: “vai se acostumando porque o que enfrentaremos no mochilão será 10 vezes pior: o frio no sul é mais frio, a chuva no sul será mais gelada e mais forte. Você estará com muito mais fome porque estará rodando na moto o dia inteiro e estará também muito mais cansada”.  E não é que, apesar de assustada, ela levou tudo numa boa!? Fiquei impressionado e foi a partir dai que achei que ainda tinha uma luz de vagalume no fim do túnel de fazer a viagem completa.

São Lourenço do Sul (14) São Lourenço do Sul (10)

Quais as principais preocupações que vocês tiveram durante os preparativos da viagem?

Lello: A moto não estava preparada para esse tipo de viagem. Revisei minuciosamente cada parte dela e fiz, eu mesmo, toda a manutenção. Comprei as peças que eu deduzi que poderiam quebrar durante a viagem, inclui na bagagem itens como bomba de ar, disco de embreagem (que ia precisar trocar no meio da viagem), chaves de todos os tipos, um kit relação de moto e até uma câmera de pneu.

Também dedicamos um bom tempo nos preparando psicologicamente. Saber que ficaríamos o dia inteiro em cima de uma moto, que rodaríamos horas e horas a fio sem descanso… Preparando o psicológico, o físico fica mais fácil de trabalhar, afinal você já imagina o que está por vir. Outro fator principal foi a hidratação. Apesar de, durante a viagem, não fazermos exercício físico intenso, ficávamos horas e horas no sol, no vento. Manter o corpo hidratado é fundamental neste tipo de aventura.

Priscila: Também investimos pesado no preparo físico para aguentar o tranco. É muito desgastante ficar 6h em cima da moto sem realizar alongamento. Por isso, antes da viagem, fizemos muitos treinos de resistência e força.

Balneário Camboriu (4) Balneário Camboriu (12)

Vocês fizeram algum tipo de adaptação na moto?

Priscila: Fomos de Lander 250: uma moto pequena, feita para distâncias curtas de até 3 horas, no máximo. Apesar disso, ‘a Magrela’ nos levou e nos trouxe de volta sem problemas inesperados. Ela foi guerreira!

Lello: O baú de 45 litros foi cheio com os acessórios da moto:  ferramentas, peças extras, capa de chuva, luvas. Adaptamos uma “grelha” em cima do baú para poder amarrar e levar nossa mala com roupas, saco de dormir, barraca para 4 pessoas e cordas. Hoje, se tivesse de repetir a viagem, teria levado um colchão inflável no lugar do saco de dormir. Além disso tudo, também levamos um cano de PVC de 4 polegadas com 1,80 metros de altura, que é onde eu levo meu equipamento de pesca. No meio do caminho ainda compramos algumas outras roupas e um bote Challenger 3 para três pessoas. Rá! No total, a “Magrela” rodou cerca de 5200 quilômetros como se tivesse carregando 3 pessoas, sendo que na volta uma delas estava pelo menos 20 quilos mais gorda.  Não fosse o reforço de um ferro soldado na estrutura onde o baú é preso, muito provavelmente a moto teria perdido a traseira na metade da viagem.

Caminho para São Lourenço do Sul (2)

Como vocês estabeleceram o roteiro?

Priscila: Pesquisei em sites de roteiros turísticos, sobretudo para saber da história de cada localidade, sites de mochileiros de moto para compartilharmos experiências e, pela internet,  até achei uma planilha com um roteiro modelo, que nos ajudou muito para saber o quanto gastar por dia em hospedagem e alimentação, por exemplo. Os sites nos ajudaram muito, mas as informações ainda são muito dispersas, levei muito tempo para reunir todos os dados de que precisava.

Lello: Apesar do roteiro pré-estabelecido, nossas conversas com as pessoas que encontrávamos durante o percurso nos deram informações preciosas de histórias de suas famílias e amigos, suas crenças e tradições; algo que você jamais vai encontrar com tanta riqueza de detalhes e emoções na internet.

Estrada para Chuí (17)

Vocês fizeram reservas de hospedagem antes da viagem?

Priscila: Não. Fomos na cara e na coragem. Só sabíamos as cidades em que dormiríamos. Desde o princípio, nossa meta era acampar em qualquer lugar. Felizmente, encontramos pessoas muito queridas que nos ajudaram de todas as formas.

Fronteira (3)

Qual foi a maior dificuldade do trajeto?

Priscila: Os imprevistos naturais foram os maiores desafios da viagem: chuvas no caminho SP x Floripa e Floripa x SP, ventanias absurdamente fortes ao ponto da moto de termos de os dois dirigi-la ao mesmo tempo em Osório, Passos de Torres e Cassino (RS), frio intenso em Cambará do Sul, Canela e Gramado (RS).

Também tivemos dificuldades de encontrar postos de abastecimento na estrada e, por algumas vezes, a moto rodou na reserva.

A moto passou por alguns desgastes, mas não contávamos que o escapamento daria problemas e não encontraríamos peça para substitui-lo. Tivemos de pedir para soldar a peça para resolver a situação até voltarmos para SP. Lidar com o sono, depois de percorrer 700 quilômetros em um único dia também foi complicado, sobretudo porque não encontrávamos local para dormir.

Uruguai - Punta del Diablo  (21)

Ao todo, quanto gastaram com a viagem?

Priscila: Estava previsto um gasto de R$2300. Ao todo, gastamos R$2800 para conhecer 18 cidades, em 15 dias. E ainda conseguimos comprar coisas que não estavam no roteiro, como o bote.

Dos lugares visitados quais vocês elegeram como especiais?

Priscila: Cada uma das cidades teve seu toque especial, mas o que fez a gente perder o fôlego foram os Cânions de Cambará do Sul (RS): de uma grandiosidade impressionante. A tranquilidade da Lagoa dos Patos, em São Lourenço do Sul, foi um achado. É tanta paz que dormimos dentro do bote inflável que compramos na viagem.

Conhecer os cataventos de Osório também foi de arrepiar. Outro lugar que nos surpreendeu muito foi Cassino (RS), pois ninguém fala dele e lá realmente é lindo.

Vocês têm alguma dica gastronômica?

Priscila: As cervejas do Sul são deliciosas, o chocolate gelado (tomamos gelado pq estava muiiitttooo calor) de Gramado é inesquecível e comer ‘tatu’ no famoso a la minuta (que é como o nosso PF), achando que é uma iguaria, e descobrir quase em SP que ‘tatu’ é o nome para um corte da carne bovina semelhante ao lagarto… são aprendizados que levamos para a vida.

O que os surpreenderam positivamente durante a viagem?

Priscila: Não esperávamos manter o bom humor até os últimos dias da viagem, apesar de tão pouco recurso por tanto tempo.

Lello: Pois é isso mesmo. A surpresa foi nossa superação ao desafio. O mochilão exige muito jogo de cintura e conseguimos manter esse espírito de permitir experimentar novas situações. Foi bem legal!

Uruguai - Punta del Diablo  (18)

Alguma experiência negativa?

Priscila: Negativa não. Mas faríamos algumas coisas de forma diferente. Por exemplo, levaríamos ainda menos roupa do que levamos…e sobretudo roupas escuras, para reutilizá-las quando não conseguíamos parar para trocar ou lavar.

O que, afinal, tinha na mala?

Priscila: Para mim, levamos 4 regatas femininas, 1 calça legging, 2 shorts, 1 blusa de frio, 2 vestidinhos (apenas um foi usado, e só porque estava na mala), 1 chinelo, 4 calcinhas, 3 meias. Para ele, levamos 2 camisetas, 3 regatas, 1 blusa de frio, 3 bermudas, 4 cuecas, 3 meias, 1 chinelo. Tudo separado em sacolinhas plásticas para proteger da chuva e ficar mais fácil de pegar na mochila.

Para higiene íntima, sachês de sabonetes e shampoos e protetores de calcinha.

Pretendem repetir a aventura? Para onde?

Priscila: Simmm…, agora faremos para o Nordeste!

Lello: Talvez para o Nordeste, mas também tenho outras ideias em mente.

Priscila: uhhhhuuuuu… por essa eu não esperava!

Por Juliana Tavares – jornalista, fundadora da J2 Comunicação, empreendedora e adora novidades que possam tornar o mundo um lugar melhor pra viver.

5 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *