Já parou pra pensar que este hábito pode ir bem além da praticidade e revelar, muitas vezes, uma hierarquia cultural invisível? E sim, a gente precisa falar sobre este assunto

Você já parou para pensar por que, em reuniões, falamos que vamos fazer uma “call” ao invés de fazer uma “chamada”? Ou por que, mesmo em contextos locais, preferimos dizer “feedback” em vez de “retorno”? Veja bem, não se trata de criticar o uso de termos técnicos específicos, mas de refletir: por que tantas vezes optamos por estrangeirismos desnecessários, mesmo quando há equivalentes perfeitos em nossa língua? Afinal, por que falamos inglês pra absolutamente tudo?
Esse hábito vai além da praticidade. Ele revela, muitas vezes, uma hierarquia cultural invisível. O inglês tornou-se a língua franca do “mundo profissional moderno”, e adotá-lo indiscriminadamente pode ser um sinal de que associamos progresso, inovação e sofisticação a um imaginário globalizado — quase sempre eurocêntrico. É como se, ao usar essas palavras, estivéssemos nos alinhando a um padrão de “credibilidade” que despreza a riqueza e a precisão do nosso bom e batido português.
Mas qual o impacto disso? Quando priorizamos termos em inglês em contextos onde não há necessidade, excluímos quem não domina o idioma e reforçamos a ideia de que certos saberes só são válidos se vestidos de roupagem estrangeira. Na comunicação, que é minha área há mais de 15 anos, aprendi que clareza e acesso são fundamentais. Se queremos debater diversidade, equidade e inclusão, como falar de “empowerment” sem questionar por que não usamos “empoderamento” — palavra que carrega história e lutas locais?
Não é sobre ser contra o inglês, mas sobre questionar automatismos. No turismo, por exemplo, trabalhei com comunidades que resgatavam termos indígenas ou regionais para descrever experiências únicas. Isso não só enriqueceu as narrativas, como devolveu dignidade a vocabulários marginalizados. Na comunicação e nas ciências sociais, vejo um paralelo: palavras são ferramentas de poder. Escolhê-las com intencionalidade é um ato político.
Então proponho um exercício: na próxima vez que um “briefing” ou um “deadline” surgir, pause. Pergunte-se:
➜ Esse termo estrangeiro realmente agrega precisão?
➜ Quem pode se sentir excluído por não compreendê-lo?
➜ Que mensagem subliminar estamos enviando ao preferir uma língua sobre outra?
Talvez descubramos que, ao substituir o “globalês” pelo português — ou por outras línguas minorizadas —, não estamos só simplificando a comunicação. Estamos valorizando identidades e construindo diálogos mais honestos e acessíveis.
E você: já refletiu sobre como o vocabulário que usa pode reforçar (ou desafiar) hierarquias?
* Artigo de opinião