Por: Djalô Rosa Laboissiere e Naira Amorelli
Pessoas com neuro divergência não são “pessoas doentes”, mas pessoas que possuem variações naturais no cérebro

Imagine entrar em um universo de cores, sons e emoções intensas, mas em vez de diversão, sentir-se sufocado por estímulos avassaladores. Para milhões de pessoas neuro divergentes — como autistas, pessoas com TDAH ou transtornos sensoriais —, os grandes festivais musicais podem ser territórios hostis, não por falta de vontade de participar, mas pela ausência de estruturas que reconheçam suas necessidades. A inclusão não é um favor, é um direito. E os produtores de eventos precisam assumir a responsabilidade de transformar essa realidade.
O que é neuro divergência?
Neuro divergência é um termo que abrange condições como autismo, TDAH, dislexia e transtornos de processamento sensorial, entre outros. Não são “doenças”, mas variações naturais do cérebro humano. Segundo a OMS, cerca de 15% da população global é neuro divergente. No Brasil, isso representa mais de 30 milhões de pessoas — um público que, muitas vezes, é invisibilizado em espaços de entretenimento.
Desafios nos festivais: além do óbvio
Enquanto neuro típicos (pessoas com funcionamento neurológico considerado “comum”) curtem shows, neuro divergentes podem enfrentar:
- Sobrecarga sensorial: Luzes estroboscópicas, multidões e altos decibeis desencadeiam crises de ansiedade ou shutdowns.
- Falta de informação clara: Mapas de eventos sem indicação de áreas tranquilas ou horários com menor volume sonoro.
- Julgamento social: Comportamentos como usar fones de bloqueio sensorial ou evitar contato visual são interpretados como “estranheza”, não como estratégias de adaptação.

A responsabilidade dos produtores: inclusão real, não performática
Alguns festivais já adotam medidas como “zonas de descanso” ou ingressos para cuidadores, mas são iniciativas pontuais, não políticas permanentes. Inclusão requer:
- Consultoria com especialistas e neuro divergentes: Nada sobre nós, sem nós. Co-criar espaços com quem vive a experiência.
- Estrutura física adaptada: Áreas silenciosas com iluminação suave, acesso prioritário para evitar filas, e sinalização clara.
- Capacitação de equipes: Seguranças e staff treinados para identificar crises e oferecer suporte sem estigmatizar.
- Flexibilidade: Ingressos reembolsáveis (caso a pessoa não se sinta apta a ir) e opções de horários alternativos para shows principais.
Incluir neuro divergentes não é caridade — é enriquecer a experiência coletiva. Eles trazem perspectivas únicas, criatividade e um público fiel. Alguns festivais mostram que adaptações aumentam o alcance e o impacto cultural dos eventos. Além disso, a inclusão gera empatia: quando uma mãe pode levar seu filho autista a um show, ou um adulto com TDAH encontra um espaço seguro para curtir música, a sociedade como um todo se reconecta com o valor da diversidade.
E como você pode ajudar (mesmo não sendo produtor)?
- Exija mudanças: Use redes sociais para pressionar festivais a adotarem medidas inclusivas.
- Eduque-se: Entenda que neuro divergência não é “falta de resiliência”, mas uma forma diferente de interagir com o mundo.
- Seja um aliado: Se vir alguém em crise, ofereça ajuda discreta ou chame um profissional qualificado. Não julgue.
Festivais são celebrações da humanidade em sua pluralidade. Quando excluem neuro divergentes, reforçam uma lógica ableista que diz: “Este espaço não é para você”. Mas a música, arte e cultura pertencem a todos. Produtores: não basta incluir, é preciso acolher. E ao público neurotípico: a luta por acessibilidade é coletiva. Só quando os tambores da inclusão ecoarem mais alto que o preconceito, teremos festivais que realmente traduzam o poder transformador da música.
A propósito, essa matéria foi produzida a quatro mãos, por duas eternas apaixonadas por festivais, uma neuro atípica portadora de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e uma mãe atípica, de dois lindos meninos autistas.
Inclusão não é um artista de palco secundário. É headliner.
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