“Ípsilon”, que será apresentado em curtíssima temporada, de 10 a 13 de outubro, nos lembra que, para cada história de sucesso, há também uma história de dor
O teatro sempre foi um lugar de expressão de vozes e histórias que muitas vezes não encontram espaço nas narrativas tradicionais. O espetáculo “Ípsilon”, em cartaz, no Espaço Cultural Municipal Sergio Porto, no Rio de Janeiro, é um exemplo contundente dessa força. A peça não só traz à tona as conquistas da população preta, mas também atravessa essa narrativa com uma tragédia pessoal do dramaturgo Guylherme Almeida, transformando o luto em arte.
“Ípsilon” será apresentado em curtíssima temporada, de 10 a 13 de outubro, com sessões variando entre os dias da semana e finais de semana. A montagem estreou no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília, com sessões esgotadas, e agora chega ao Rio de Janeiro carregada de significado e emoção.
A história gira em torno de Carolyna (interpretada por Juliana Plasmo), uma astronauta preta bem-sucedida que retorna à sua cidade natal após uma missão espacial. O retorno, porém, revela uma terra devastada, reduzida a um aterro de pneus, onde antes havia vida e história. A analogia é forte: uma mulher preta que se destaca em sua carreira e conquista o espaço sideral, mas que enfrenta a dura realidade de um lar destruído pela fumaça e pelo abandono. Essa é uma representação de muitas pessoas negras que, ao alcançar o sucesso, precisam lidar com as marcas profundas da desigualdade e da exclusão.
O dramaturgo Guylherme Almeida começou a criar “Ípsilon” inspirado por mulheres negras de destaque, como Carolina Maria de Jesus, a astronauta Mae Jemison e a dançarina Judith Jamison. Seu foco inicial era celebrar as conquistas dessas figuras e abordar os desafios que elas enfrentaram ao se tornarem corpos dissidentes em um mundo onde o sucesso muitas vezes vem com o peso do preconceito. No entanto, o processo criativo de Almeida foi interrompido por uma tragédia pessoal. Em setembro de 2022, ele recebeu a notícia devastadora de que seu pai havia sido morto, queimado vivo em um cemitério de pneus.
A dor dessa perda se fundiu com o enredo de “Ípsilon”, e a peça inicia com uma abordagem documental do luto e da brutalidade que marcou a vida do dramaturgo. O impacto dessa tragédia é sentido em cada cena, criando um diálogo entre a dor pessoal e a luta coletiva da população preta por reconhecimento e justiça. A peça, assim, torna-se mais do que uma ficção teatral, sendo um espelho das realidades vividas por muitos.
O cenário do espetáculo reflete as favelas de Brasília e Recife, locais marcados pela resistência e sobrevivência da população preta. Essa ambientação reforça a dualidade presente em “Ípsilon”, que alterna entre a esperança das conquistas e o desespero das perdas. A peça não foge dos dilemas contemporâneos que envolvem questões raciais, sociais e ambientais, abrindo espaço para reflexões profundas sobre o que significa ser negro em um mundo que, muitas vezes, tenta apagar essas vozes.
“Ípsilon” é um espetáculo denso, mas necessário. Ele nos lembra que, para cada história de sucesso, há também uma história de dor, e que ambas fazem parte da luta por um futuro mais justo e igualitário.
Serviço:
Quando: 10 a 13 de outubro – quinta às 20h, sexta e sábado às 17h e 20h e domingo às 16h e 19h
Onde: Espaço Cultural Municipal Sergio Porto (Rua Humaitá, 163 – Humaitá)
Ingresso: R$ 20 – venda online
Classificação etária: 12 anos