Há 134 anos, era promulgada a Lei Áurea, entenda o porquê não se comemora a data!
A escravidão fez parte da história de muitos países, e ao longo dos processos históricos e políticos, o abolicionismo foi uma das formas mais representativas de ativismo. O processo de abolição nas sociedades foi resultante de diversos fatores, no Brasil em específico, ocorreu gradualmente através das movimentações realizadas por vários segmentos sociais, mas principalmente, pela população negra em busca da emancipação. Algumas leis tiveram papéis muito importantes no processo, como por exemplo: a Lei Eusébio de Queirós de 1850, que pôs fim ao tráfico de escravos transportados nos “navios negreiros”, a Lei do Ventre Livre de 1871, a qual libertou, a partir daquele ano, as crianças nascidas de mães escravas, a Lei dos Sexagenários de 1885, que beneficiou os escravos com mais de 65 anos, e a Lei Áurea (oficialmente Lei n.º 3 353) promulgada dia 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, da qual extinguiu o trabalho escravo no Brasil, libertando cerca de 700 mil escravos que ainda havia no país.
Porque não se comemora o dia 13 de maio?
A partir da década de 1970, os movimentos negros intensificaram as manifestações de autoafirmação, instituindo o dia da consciência negra visando ressaltar os seus papeis no processo de emancipação. Sendo assim, o dia 20 de novembro relembra a execução de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares, que lutou pelo fim do sistema escravista no Brasil, contrapondo o dia 13 de maio, que representa a abolição como um ato de “generosidade” da elite branca, transformando a princesa em ‘símbolo’ da libertação. Ou seja, o 20 de novembro transformou-se no real símbolo da resistência e combatividade da população negra.
A abolição não resolveu diversas questões essenciais acerca da inclusão dos negros na sociedade brasileira, visto que o Estado brasileiro não tomou medidas que favorecessem sua integração social, conforme explicitado por Lélia: “Para o Movimento Negro, o momento é muito mais de reflexão do que de comemoração. Reflexão porque o texto da lei de 13 de maio de 1888 (conhecida como Lei Áurea), simplesmente declarou a escravidão extinta, revogando todas as disposições contrárias e… nada mais. Para nós, homens e mulheres negros, nossa luta pela liberdade começou muito antes desse ato de formalidade legal e continua até hoje” (GONZALEZ, 1988).
Como ficou a vida dos ex-escravos após a Lei Áurea?
A primeira grande reação dos libertos com a Lei Áurea, em 13 de maio, foi, naturalmente, comemorar. À medida que a notícia espalhava-se, grandes comemorações eram realizadas e festas aconteceram tanto nas grandes cidades, como nas zonas rurais do Brasil. Uma vez passada a euforia, a nova situação levou os libertos a procurarem melhores alternativas para viver.
Assim, muitos escravos acabaram abandonando as fazendas nas quais foram escravizados e mudaram-se para outras ou então foram para cidades. Essas migrações de ex-escravos aconteceram por múltiplos fatores. Os libertos mudavam-se para distanciarem-se dos locais em que foram escravizados, ou então iam para outros lugares procurar parentes e estabelecer-se juntos desses ou até mesmo procurar melhores salários.
Essas migrações, na maioria dos casos, eram uma ação mais realizada pelos homens jovens, por terem melhores possibilidades de estabelecerem-se em uma terra para cultivá-la. As mulheres que possuíam filhos e os idosos tinham menos possibilidades de migrar à procura de melhores condições.
A migração de ex-escravos gerou uma reação de grandes proprietários e das autoridades daquela época trazendo-lhes muita insatisfação, sobretudo porque os primeiros não aceitavam mais as condições de trabalho degradantes que existiam antes de 1888 e porque estavam sempre em busca de melhores salários. Assim, os grandes proprietários, sobretudo do interior do país, começaram a pressionar as autoridades para que elas reprimissem essa movimentação.
Com isso, os grupos de ex-escravos que migravam começaram a sofrer com a repressão e foram sendo taxados de vadiagem e vagabundagem. Essa medida focava, sobretudo, os libertos que eram mais insubordinados e que costumavam não aceitar as condições impostas pelos grandes proprietários.
Muitas vezes também, os grandes fazendeiros e antigos donos de escravos impediam que os libertos fizessem suas mudanças. Muitos desses eram ameaçados fisicamente para que não se mudassem, e outra estratégia utilizada era a de tomar a tutoria dos filhos dos ex-escravos. Inúmeros grandes proprietários acionavam a justiça para ter a tutoria sobre os filhos dos libertos e com isso forçavam esses a permanecerem em sua propriedade. Houve, inclusive, casos de filhos de libertos que foram sequestrados.
Existiram senhores de escravos que não aceitavam pagar salários para os ex-escravos, mas havia muita resistência por parte dos libertos quanto a isso. Após a Lei Áurea, os libertos passaram a questionar as condições que lhes eram oferecidas e essa atitude passou a ser vista como insolência. A repressão mencionada anteriormente foi uma resposta dos grandes fazendeiros a isso.
Se os libertos não encontrassem condições que lhes agradassem, e se tivessem outras condições, a migração era sempre uma opção. Os pagamentos exigidos eram realizados diariamente ou semanalmente e a jornada deveria ter um limite. Aqueles que se mudavam para as cidades acabavam aprendendo diferentes ofícios, tais como o de marceneiro, charuteiro (produtor de charuto), servente, pedreiro etc. As mulheres, na maioria dos casos, assumiam posições relacionadas com o trato doméstico.
Logo após a abolição da escravatura, uma das questões mais importantes, e que foi definidora para garantir a manutenção do liberto como um indivíduo marginal e subalterno na pirâmide social, foi a questão da terra. Não foi realizada reforma agrária e, assim, a grande maioria dos 700 mil libertos, a partir de 1888, não teve acesso à terra, sendo esses forçados a sujeitarem-se aos salários baixos oferecidos pelos grandes proprietários.
A falta de acesso à educação por parte dos libertos, como mencionado em uma citação anterior, era uma preocupação para esses e foi uma questão fundamental para manter esse grupo marginalizado. Sem acesso ao estudo, esse grupo permaneceu sem oportunidades para melhorar sua vida.
Para entender um pouco sobre o assunto
O que é democracia racial?
A democracia racial relaciona-se com uma estrutura social ideal na qual todos os cidadãos, independentemente de sua raça ou etnia, possuem os mesmos direitos e são tratados da mesma forma.
O termo democracia tem sua origem na Grécia antiga e em sua forma de organização sócio-política. Assim, uma restrita classe de cidadãos era amparada pelos princípios de isonomia (igualdade perante as leis) e isegoria (igualdade de participação política).
Desse modo, a democracia racial é uma abstração baseada no ideal grego. Assume dois modos de interpretação: uma meta a ser alcançada ou um mito que mascara as contradições e injustiças presentes na sociedade.
No Brasil, o termo é usado como oposição à ideia de discriminação racial que institui negros e brancos ao desempenho de diferentes papéis dentro da estrutura social.
O Mito da Democracia Racial no Brasil
O termo “mito” faz alusão a uma fabulação ou fantasia. Então, o mito da democracia racial no Brasil está fundamentado em uma falsa ideia de miscigenação e integração racial tomada como indício inequívoco de harmonia e igualdade entre as diferentes etnias.
Assim sendo, o Brasil contrastaria com outros lugares como os Estados Unidos e a África do Sul, que durante muito tempo possuíram políticas de segregação racial.
No Brasil, desde abolição da escravatura, em 1888, assumiu-se que todos, independentemente de sua raça ou origem, devem ser tratados de forma isonômica, em completa igualdade perante as leis.
Desse modo, desenvolveu-se a ideia de que as desigualdades existentes estão pautadas em condições estritamente sociais, e não raciais.
Segundo os autores que atentam para a democracia racial como mito no Brasil, a isonomia não é o único fator que garante a democracia racial.
São necessárias políticas de reparação histórica, que busquem aproximar as questões raciais do objetivo de uma justiça social e de uma verdadeira democracia racial.
Sobre a questão da democracia social no Brasil, Adilson Moreira, especialista em direito antidiscriminatório, chama a atenção para o fato da miscigenação do povo brasileiro não estar presente nas camadas de poder do Estado.
Para o autor, as decisões políticas permanecem sob o controle de uma elite econômica e racial (branca). Assim, as leis precisam considerar as desigualdades raciais existentes na estrutura social para que possam, efetivamente, garantir a equidade e a democracia.
Racismo estrutural e desigualdades sociais
Por conta do passado histórico e da formação do Brasil, a questão racial e a questão social estão diretamente relacionadas tornando difícil a percepção de seus limites.
O ponto de partida desigual entre brancos, índios e negros na construção da sociedade brasileira, cria uma identidade comum entre as duas questões (raciais e sociais).
Associada à ideia de possibilidade de transição social, que na forma da lei, não discrimina negros ou brancos, cria-se um modelo de disseminação de desigualdades que está para além da questão racial.
Assim sendo, a grande parcela da população branca que vive em condições de vulnerabilidade sublima o chamado racismo estrutural, que marginaliza a população negra.
Desse modo, é preciso compreender que o Brasil, dentro de toda a sua particularidade sócio-cultural, necessita conjugar as questões de classe e raça para alcançar um ideal de justiça social.
Para refletir
No país, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. Entre 2005 e 2015, a taxa de homicídios de pessoas negras aumentou 18,2%, enquanto a das pessoas não negras diminuiu 12,2% no mesmo período. Ao fazer o recorte de gênero, o abismo se torna mais proeminente. Enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 4,5% entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. Em números absolutos, entre as não negras o crescimento foi de 1,7%, já entre mulheres negras foi de 60,5%. Os dados são do Atlas da Violência publicado em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em relação ao mercado de trabalho, a maior parcela de desempregados é da população negra, são 64,2% do total de 13,7 milhões sem ocupação, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto 34,6% dos trabalhadores brancos estavam em ocupações informais, entre os pretos ou pardos esse percentual era de 47,3%. Mesmo com maior acesso à educação, eles têm os menores salários.
Com informações de Instituto de Estudos de Gênero da UFSC, Toda Matéria, Brasil Escola e Brasil de Fato
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