Conheça a história de Obaluaê, orixá da cura e das transformações, reverenciado nas tradições africanas e afro-brasileiras

Silêncio. É assim que se começa qualquer saudação a Obaluaê, orixá da terra, da doença, da cura e da ancestralidade. O silêncio, nesse caso, não é ausência, é reverência. É escuta ativa aos mistérios da vida e da morte, aos ciclos do corpo e da alma. Ao pronunciar seu nome, a tradição pede que se diga “Atotô!”, um chamado ao respeito e à introspecção. Mas quem é esse orixá que habita as encruzilhadas entre dor e regeneração, exclusão e acolhimento?
Neste mergulho pelas ancestralidades africanas e afro-brasileiras, conhecemos Obaluaê (ou Omolu), uma das figuras mais complexas e potentes do panteão iorubá. Sua história atravessa oceanos, enfrentou silenciamentos e ressurge, todos os dias, como símbolo de cura, não só física, mas social, emocional e espiritual.
Com raízes no território iorubá, localizado no atual sudoeste da Nigéria e em partes do Benim, Obaluaê é conhecido originalmente como Ṣọ̀npọ̀nná ou Babalú-Ayé. Era o orixá ligado às doenças contagiosas, especialmente à varíola, que por séculos foi um dos maiores flagelos da humanidade. Não por acaso, tornou-se também o grande senhor da cura, aquele que tem o poder de restaurar o corpo e a alma, quando reverenciado com respeito.
Com a violência da diáspora africana, esse culto foi trazido para o Brasil pelos povos nagôs e manteve-se vivo em meio às resistências dos povos escravizados. Aqui, encontrou abrigo nos terreiros de Candomblé e Umbanda, religiões afro-brasileiras, onde assumiu nuances locais e se fundiu a outras simbologias. No sincretismo religioso, foi associado a São Lázaro e, em alguns lugares, a São Roque, santos também ligados à cura e às doenças.
Omolu e Obaluaê: faces do mesmo orixá
Apesar de muitas vezes tratados como sinônimos, Omolu e Obaluaê representam manifestações diferentes do mesmo orixá. Obaluaê é a face jovem, ativa, que se ergue da dor para curar. Já Omolu é a face mais velha, sábia, silenciosa, associada à morte, ao recolhimento, ao mundo dos espíritos.
Ambos, no entanto, caminham lado a lado. São os senhores da terra, que tudo recebe, tudo cura, tudo transforma. A palha da costa, com a qual Omolu se cobre dos pés à cabeça, é símbolo de proteção e mistério. O xaxará, instrumento ritual que carrega, é ao mesmo tempo cetro e vassoura: afasta os males, varre as dores, traz equilíbrio.

Não é o “exótico”, é o ancestral
É importante deixar claro: falar sobre orixás não é falar de folclore, nem de algo “exótico” ou distante. É falar de cosmovisões milenares que foram demonizadas durante séculos por discursos coloniais e racistas. É falar de fé, de resistência, de cultura viva que pulsa nos terreiros, nas comunidades, nos corpos que ainda hoje resistem à intolerância religiosa.
Celebrar Obaluaê é, portanto, celebrar um saber ancestral que reconhece a doença como parte do ciclo da existência, e a cura, como um processo que vai além do corpo físico. É lembrar que saúde também é dignidade, é pertencimento, é espiritualidade respeitada.
Pessoas ligadas a Obaluaê costumam ser introspectivas, sensíveis à dor alheia, observadoras e resilientes. São aquelas que, muitas vezes, atravessam dores profundas, mas emergem com ainda mais sabedoria e potência. Têm uma conexão intensa com a cura, seja pela medicina, pelas palavras, pelo cuidado ou pela espiritualidade.
Culto, regiões e festividades
Obaluaê é celebrado principalmente em agosto, mês em que diversas casas de axé realizam rituais e festas em sua homenagem. Na Bahia, é tradicional a Festa de São Lázaro em Itapuã, onde fiéis vestem branco, levam pipocas para saudar o orixá e pedem saúde.
Seu culto é forte não só no Brasil, mas também em Cuba (onde é chamado de Babalú-Ayé) e, claro, em regiões da África onde o legado iorubá permanece vivo.
Conhecer a história de Obaluaê é abrir espaço para que outras narrativas e espiritualidades sejam ouvidas. Num mundo cada vez mais acelerado e adoecido, olhar para os saberes ancestrais não é retroceder, é, talvez, encontrar novas formas de caminhar.
E diante do orixá do silêncio, da cura e da transformação, só nos resta mesmo dizer:
Atotô, Obaluaê.
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