Enquanto empresas e governos celebram o 8 de Março com discursos de igualdade, mulheres seguem enfrentando feminicídio, exclusão no mercado de trabalho e etarismo. Uma reflexão urgente sobre o abismo entre retórica e realidade

O Dia Internacional da Mulher, oficializado em 8 de março de 1975 pela ONU, nasceu de lutas operárias no início do século XX, quando trabalhadoras de Nova York, em 1908, marcharam por melhores condições de trabalho. Em 1911, o incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, que matou 146 pessoas — a maioria mulheres imigrantes — escancarou a exploração feminina. No Brasil, só em 1932 conquistamos o direito ao voto. Mas hoje, mais de um século depois, o que há para celebrar em um país que lidera rankings de feminicídio, onde mulheres trans são assassinadas a cada 48 horas, onde mulheres têm suas vozes descredibilizadas e onde, no mercado de trabalho, profissionais experientes são descartadas como peças velhas?
Os números não mentem. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, 1.437 mulheres foram vítimas de feminicídio — uma a cada seis horas. Apenas por serem mulheres. Enquanto isso, o mercado de trabalho, que se gaba de políticas de diversidade, mantém mulheres em apenas 15% dos cargos executivos (IBGE, 2023). Para as mulheres trans, a realidade é ainda mais brutal: um número gigantesco de mulheres recorrem à prostituição por falta de oportunidades, e sua expectativa de vida não ultrapassa os 35 anos (ANTRA, 2023). São dados que sangram, mas que não bastam para romper a inércia de um sistema que trata inclusão como marketing.
E ainda precisamos falar do etarismo, essa ferida silenciosa. Mulheres acima dos 40 anos, conhecem bem o sabor amargo de ver seus currículos ignorados em nome de uma “renovação” que disfarça o preconceito. Um estudo da Catho (2022) revela que 68% das profissionais com mais de 45 anos já sofreram discriminação por idade. É, caro leitor, estamos vivendo num mundo que experiência virou sinônimo de obsolescência, como se conhecimento acumulado fosse um defeito. Enquanto isso, empresas promovem campanhas de ESG com fotos coloridas de mulheres diversas, mas mantêm políticas de promoção engessadas por viéses inconscientes.
Não se trata de negar avanços. A Lei Maria da Penha (2006) e a criminalização do feminicídio (2015) são conquistas vitais. Mas leis, sem aplicação efetiva, são letra morta. Em 2023, apenas 8,4% dos municípios brasileiros tinham delegacias especializadas no atendimento à mulher (DataSenado). E o que dizer das empresas que incluem mulheres em cargos simbólicos, mas mantêm salários desiguais e ambientes tóxicos? A igualdade não se resume a hashtags ou mesas de diretoria fotografáveis.
A mudança exige mais que discursos. Requer educação para desconstruir machismo enraizado, políticas públicas que protejam mulheres trans — que sequer têm acesso a nome social em muitos espaços — e uma reformulação cultural que valorize a maturidade profissional. É urgente investir em formação técnica para populações marginalizadas, criar programas de recolocação para mulheres maduras e fiscalizar empresas que usam a pauta feminina como storytelling.
O mundo mudou? Sim. Mas nem sempre mudar significa progredir. Enquanto mulheres seguirem sendo assassinadas por serem mulheres, enquanto mulheres trans forem tratadas como corpos descartáveis e enquanto profissionais experientes forem substituídas por mão de obra barata e “moderna”, o 8 de Março não será data de festa, mas de luta. Uma luta que não cabe em posts de redes sociais, em florzinhas ou em brindes rosas. Que exige ação, não apenas como obrigação social, mas como imperativo humano.
Celebrar, hoje, é resistir. E resistir é não aceitar que a vida das mulheres continue sendo negociada em mesas que não ocupamos.