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Conde Drácula: como um tirano virou lenda (e o que isso diz sobre nós)

Como Vlad Tepes, príncipe sanguinário do século XV, virou o Conde Drácula? A construção de um mito onde história e ficção se fundem

Conde Drácula

Há lugares no mundo onde a história e o mito se entrelaçam como raízes de árvores antigas. Na Transilvânia, região que hoje pertence à Romênia, esse emaranhado ganhou dentes afiados e uma capa negra. Tudo começou com um homem real, Vlad Tepes, príncipe da Valáquia no século XV, cujo hobby pouco convencional — empalar inimigos — lhe rendeu o apelido de “O Empalador”. Mas como um déspota medieval, obcecado por manter os otomanos longe de suas terras, se transformou no Conde Drácula, ícone pop dos vampiros? A resposta está na alquimia perversa entre fato, ficção e nossa necessidade humana de criar monstros.

Vlad III não era um aristocrata de sobrenome romântico, e sim um político astuto que usava o terror como estratégia. Seu pai, Vlad II, pertencia à Ordem do Dragão (Dracul), sociedade que lutava contra o avanço islâmico. Por isso, Vlad III herdou o título de “Draculea” — “filho do dragão” ou, para os crédulos, “filho do diabo”. Aos 45 anos, após décadas de guerras e atrocidades calculadas, ele foi decapitado por tropas rivais. Sua cabeça, mergulhada em mel, foi enviada a Istambul como troféu. Até aí, só mais um capítulo sangrento da história balcânica.

Mas eis que, em 1897, o escritor irlandês Bram Stoker, ávido por criar um vilão que personificasse os medos vitorianos (sexualidade reprimida, doenças misteriosas, o “outro” estrangeiro), encontrou em Vlad um nome conveniente: Drácula. A ironia? Stoker sabia quase nada sobre o verdadeiro Tepes. Pegou emprestado o nome, misturou com lendas de strigoi (mortos-vivos do folclore romeno) e criou um aristocrata imortal que sugaria o sangue do imaginário ocidental para sempre.

A metamorfose de Vlad em Drácula revela como mitos são construídos: camada sobre camada de medo, fascínio e má interpretação.

O Fato Histórico: Vlad existiu, foi cruel, e seu apelido tinha carga simbólica.

O Folclore Local: Lendas sobre cadáveres que não decompunham em tempos de pragas alimentaram a ideia de “mortos que voltam”.

O Contexto Cultural: A Era Vitoriana, com sua repressão sexual e avanço científico, via no vampiro a encarnação do desejo proibido e da imortalidade perversa.

Mas há um quarto elemento, mais sutil: o turismo. Nos anos 1970, o regime comunista romeno “vendeu” o Castelo de Bran como “lar de Drácula”, embora Vlad nunca tenha pisado lá. Hoje, o local recebe meio milhão de visitantes por ano, que compram camisetas com a frase “Eu sobrevivi à Transilvânia” enquanto comem sarmale (prato típico) na cidade natal do verdadeiro Vlad, Sighișoara.

Conde Drácula

Aqui está a verdadeira magia (negra) do mito: Conde Drácula é mais vivo que Vlad jamais foi. Enquanto o príncipe empalador é lembrado como nota de rodapé nos livros de história, o vampiro literário ganha novas versões em filmes, séries e até memes. O que isso nos diz?

Talvez que precisemos de monstros para projetar nossas próprias sombras. Vlad, o homem, era um tirano pragmático. Drácula, o mito, é um espelho invertido: representa o medo do estrangeiro, o pavor da morte, a atração pelo tabu. Como escreveu o romeno Mircea Eliade: “O sagrado e o profano dançam na mesma sala — às vezes, vestidos de vampiro”.

Se você visitar a Transilvânia hoje, verá guias contando histórias de vampiras sensuais e caçadores de alho. Mas nas vilas próximas, os idosos ainda falam de Vlad Tepes com orgulho ambíguo: “Ele era duro, sim, mas nos protegeu”. Enquanto isso, o Castelo de Bran, cheio de turistas, parece rir silenciosamente. Afinal, qual é mais assustador: o vampiro fictício que todos temem, ou o herói real que todos esqueceram?

Eis o poder de um mito: transformar sangue em tinta, horror em entretenimento, e um déspota esquecido… em imortal.

P.S.: Se algum dia você for à Romênia, visite tanto o Castelo de Bran quanto a Fortaleza Poenari (a real casa de Vlad). Uma é fantasia; a outra, ruína. Juntas, contam a mesma história: a de que, às vezes, a lenda é o único jeito de a verdade sobreviver.

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