O racismo afeta a saúde da população negra desde o nascimento até a morte. Entenda como as barreiras raciais moldam o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde no Brasil
O racismo estrutural é uma das maiores barreiras ao bem-estar da população negra, afetando não apenas suas condições de vida, mas também seu acesso à saúde. Esse problema se manifesta de forma insidiosa desde o nascimento, atravessando toda a vida até a morte. A disparidade racial no acesso à saúde é um reflexo de uma sociedade que perpetua desigualdades históricas, muitas vezes invisíveis no cotidiano, mas que produzem efeitos devastadores.
Hoje, Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, celebrado em 27 de outubro, é uma data dedicada a destacar e enfrentar os impactos do racismo estrutural na saúde dessa comunidade. A iniciativa busca conscientizar sobre essas desigualdades e promover ações para superá-las.
De acordo com dados do boletim Saúde da População Negra (2023), produzido pelo Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade infantil entre crianças negras é significativamente mais alta do que entre crianças brancas. Além disso, a população negra enfrenta maiores dificuldades de acesso a serviços de saúde adequados, o que leva a diagnósticos tardios, tratamentos inadequados e, muitas vezes, a complicações severas que poderiam ser evitadas com o devido atendimento desde o início. Esses números reforçam a necessidade urgente de uma revisão profunda nas políticas públicas de saúde, com foco em diminuir as desigualdades raciais no setor.
Reconhecer a presença do racismo nas práticas de saúde é fundamental para mudar esse cenário. Segundo a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, Ana Maria de Souza, “o racismo não é apenas uma questão de preconceito pessoal, mas um fenômeno social que determina as condições de vida e, por consequência, de saúde da população negra”. As práticas discriminatórias estão enraizadas no sistema, levando a um atendimento de saúde que, muitas vezes, ignora ou minimiza as necessidades específicas dessa população.
Esse quadro se reflete não só no acesso aos serviços de saúde, mas também na qualidade dos atendimentos. A falta de representatividade negra nas equipes médicas e a ausência de uma formação que leve em consideração as particularidades das condições de saúde enfrentadas por pessoas negras são fatores que contribuem para esse cenário. Doenças como hipertensão, diabetes e anemia falciforme, que afetam desproporcionalmente a população negra, frequentemente são negligenciadas ou mal geridas, perpetuando um ciclo de adoecimento e morte precoce.
De acordo com uma análise do Brasil de Fato, o racismo também afeta as condições socioeconômicas, agravando a situação de exclusão. A maioria da população negra no Brasil vive em áreas com infraestrutura precária e acesso limitado a serviços essenciais, como saneamento básico e hospitais. Esse contexto dificulta a prevenção de doenças e a busca por tratamento adequado, além de tornar mais complexo o cumprimento de tratamentos contínuos, necessários para doenças crônicas. Em muitos casos, essa exclusão vai além da questão econômica, afetando também o aspecto psicológico, gerando um sentimento de desvalorização e impotência diante das dificuldades de acesso a um direito tão básico quanto o cuidado com a saúde.
A construção de um sistema de saúde que realmente seja inclusivo e antirracista demanda políticas públicas que considerem essas desigualdades e trabalhem ativamente para superá-las. Medidas como a capacitação dos profissionais de saúde para identificar e combater o racismo nas suas práticas diárias são essenciais para garantir que o atendimento seja mais justo e equitativo. Além disso, é necessário o fortalecimento de programas de saúde específicos para a população negra, que contemplem suas particularidades e ofereçam uma rede de suporte adequada para suas necessidades.
E a violência continua na maternidade
A violência obstétrica é uma realidade alarmante que afeta desproporcionalmente as mulheres negras no Brasil. Durante a gestação, o parto e o pós-parto, elas enfrentam negligência, discriminação e maus-tratos por parte de profissionais de saúde. Estudos apontam que mulheres negras são mais propensas a receber um atendimento inadequado, incluindo o uso de procedimentos invasivos sem consentimento, negação de anestesia e falhas no acolhimento emocional. Esse cenário reflete o racismo estrutural, que desumaniza essas mulheres no momento mais vulnerável de suas vidas, colocando em risco sua saúde e a de seus bebês.
No imaginário coletivo, persistem crenças racistas que afetam diretamente o cuidado médico dado à população negra. Uma dessas falácias é a ideia de que pessoas negras são mais resistentes à dor, o que muitas vezes resulta na administração insuficiente de medicamentos ou na minimização de suas queixas. Esse mito, profundamente enraizado, perpetua tratamentos desiguais e aumenta o sofrimento desnecessário. Outro estigma relacionado é a crença de que mulheres negras são “boas parideiras”, o que gera negligência nos cuidados durante o parto, como a recusa de anestesia ou a pressa em procedimentos invasivos. Essas concepções, baseadas em preconceitos, negam a essas mulheres um atendimento digno e humanizado.
Como podemos ver, não se trata apenas de uma questão de acesso, mas de garantir que esse acesso seja efetivo, respeitoso e alinhado às reais necessidades de quem mais sofre com a exclusão. Enfrentar o racismo em todas as suas formas é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e saudável para todos.
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