Além do grito de Dom Pedro I, momentos menos celebrados foram fundamentais para que o país se separasse de Portugal
Em 1823, às margens plácidas da Baía de Todos os Santos, uma mulher negra ergue seu braço e brada “Independência ou morte!”, decretando, de uma vez por todas, que o Brasil é um país livre, e não mais uma colônia de Portugal. Embora a história oficial contada nos livros não seja exatamente essa, a luta de mulheres e homens escravizados na Bahia e em outros cantos do país foi fundamental para que o “brado retumbante” de Dom Pedro I, às margens do Ipiranga, em São Paulo, tivessem efeito prático na vida dos brasileiros.
Colônia portuguesa desde a chegada de Pedro Álvares Cabral àquela mesma Bahia, em 1500, o Brasil era, na verdade, um apanhado de províncias que pouco tinham em comum entre si. O que as unia era, sobretudo, a geração de riquezas por meio da escravidão. “As duas questões estão intimamente ligadas, na verdade. Quando falamos em independência, falamos também de um processo político que envolvia fortemente as discussões sobre a manutenção da escravidão nessas terras”, explica o professor de História e coordenador do Núcleo de Evolução de Conteúdo do Sistema Positivo de Ensino, Norton Frehse Nicolazzi Jr.
Enquanto, no papel, Portugal e Brasil travavam uma disputa política acirrada, mas pacífica, pelos direitos sobre o território do lado de cá do Atlântico, na vida real o cenário era bem mais sangrento. Muitas pessoas que faziam parte justamente da multidão de escravizados africanos enfrentaram as tropas portuguesas com as armas que tinham à mão. As marisqueiras da ilha de Itaparica, na Bahia, foram algumas dessas pessoas. Uma delas, Maria Felipa de Oliveira, teria sido a líder de um grupo de mulheres que incendiou muitas embarcações portuguesas no início de 1823, contribuindo fortemente para a expulsão dos militares portugueses do Brasil. “Não há registro, em livros ou documentos, que provem que Maria Felipa realmente existiu, mas ela continua muito presente na história oral dos moradores de Itaparica. Como personagem real ou não, essa mulher é uma figura simbólica muito importante das nossas ‘guerras de independência’”, detalha o historiador.
Além dela, ainda na Bahia, as figuras de Maria Quitéria, que se disfarçou de homem para poder lutar contra os portugueses, e da abadessa Joana Angélica, morta no Convento da Lapa, em Salvador, são celebradas até hoje pelos feitos no processo de independência do Brasil. Na terra e no mar baianos, o grito de independência não se limitou ao 7 de setembro de 1822; a batalha durou de 19 de fevereiro de 1822 a 2 de julho de 1823. A data final é, ainda hoje, dia de comemoração por lá.
Além disso, houve ainda guerras muito importantes pela independência no Piauí, Pernambuco, Pará, Maranhão e até mesmo no Uruguai, que, na época, era território brasileiro. “Ouvimos falar muito sobre José Bonifácio, Dona Leopoldina, Dom Pedro I e outros nomes, que também são importantes. Mas o Brasil só se tornou um país independente de fato porque muitos brasileiros comuns, entre eles, muitos a quem o próprio Brasil negou e continua negando reconhecimento e dignidade, lutaram bravamente contra o domínio português”, finaliza Nicolazzi.
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