Visitar locais de morte, tortura e horror: o chamado dark tourism, ou “turismo obscuro”, se expande nos quatro cantos do mundo. E entre seus destinos óbvios estão símbolos do nazismo: uma luta entre voyeurismo e esclarecimento.
Lugares sinistros atraem turistas em todo o mundo, mas esclarecimento e informação não são prioridade por toda parte. Desde a virada do século nota-se a tendência de operadores e municipalidades de ampliar o programa turístico das cidades com elementos de horror.
O Institute for Dark Tourism Research (iDTR), fundado em 2012 na Universidade de Lancashire, Inglaterra, define como “turismo obscuro” as excursões a locais associados a assassinato, morte, violência, dor, sofrimento e o macabro.
Hoje, empresas levam seus clientes até a zona central de Chernobyl – medição de radioatividade e almoço incluídos. Para visitar os antigos túneis de guerra de Sarajevo, é preciso rastejar um bom trecho. As peregrinações dark não deixam de fora palcos de genocidas, como os porões de tortura de Idi Amin Dada em Uganda: de placas informativas, nem sombra.
Segundo o historiador Rüdiger Hachtmann, da Universidade Técnica de Berlim, em geral o dark tourism se concentra em eventos ocorridos há relativamente pouco tempo. As emoções dos visitantes vão da compaixão até a avidez de observar algo sensacional e tenebroso, passando pelo voyeurismo e o terror.
“Aparentada ao ‘turismo obscuro’ e ao mesmo tempo seu oposto, é a viagem de educação política”, classifica Hachtmann. Esse outro tipo de turista, então, se confronta com as épocas especialmente macabras da história, não de forma emocional, mas sim basicamente intelectual.
“É possível que dark tourism e ‘turismo educativo de cunho cultural’ por vezes se misturem no mesmo turista, nas locações do nacional-socialismo – por exemplo, numa visita ao campo de extermínio de Auschwitz. Entre a grande maioria desses turistas, porém, o desejo de esclarecimento provavelmente não é que domina.”
Monumentalidade em Nurembergue
Em Nurembergue, no estado da Baviera, a ênfase é nos turistas com ambições educativas. Lá se encontra o maior legado arquitetônico da época nazista na Alemanha: a cada ano, cerca de 200 mil pessoas de todo o mundo visitam o centro de documentação no antigo “Reichsparteitagsgelände”, a praça dos desfiles do Partido Nacional-Socialista.
Nessa área de 11 quilômetros quadrados, projetada pelo arquiteto de Hitler, Albert Speer, o líder nazista celebrou até 1938 os comícios do NSDAP como eventos de massa, com o fim de cegar a população e cultivar seu entusiasmo pelo regime.
Parte das monumentais edificações ainda está preservada, como a estrutura de alvenaria do salão de congressos, onde, desde 2001, o centro de documentação esclarece sobre a história do nazismo e dos comícios de Nurembergue.
Também permaneceu a Grosse Strasse, onde, em gigantescos desfiles, a “comunidade do povo” selava sua lealdade ao regime. Assim como o campo Zeppelinfeld, em que multidões de turistas desembarcam regularmente dos ônibus.
A antiga praça dos desfiles, que comportava 200 mil pessoas, é hoje uma área cimentada com áreas de estacionamento e parques esportivos. Na extremidade está situada a tribuna com o púlpito onde Hitler fazia seus discursos, à qual hoje os turistas têm livre acesso.
Tribuna da discórdia
A pedra da tribuna de honra de Hitler está se esfacelando, e há meses trava-se uma briga encarniçada em torno desse caso de saneamento. Iniciativas cidadãs como a BauLust, de Nurembergue, alertam contra uma “disneyficação” da tribuna – e assim, em última instância, contra um possível foco de dark tourism.
Nurembergue rebate que está sendo desenvolvido um plano-mestre para todo o complexo. O que permanecerá quanto todas as testemunhas da época estiverem mortas? Só os locais autênticos, argumenta a prefeitura. Ela se decidiu pela manutenção: conservar o status quo, sem reconstrução ou mesmo complementação dos edifícios.
Desse modo, a municipalidade segue a opinião dos históricos que defendem a utilização ostensiva dos monumentos da arquitetura nazista para projetos de exposição sobre a história do regime.
Os custos das obras de saneamento circulam na casa das dezenas de milhões de euros: até meados de 2016 a administração da cidade pretende divulgar a soma exata. Ainda que uma parte da verba venha a ser reposta com o afluxo turístico, o conflito ainda não está encerrado.
Colosso de concreto encomendado por Hitler
Um milhão de euros foi quanto custou o saneamento de uma construção nazista bem menos conhecida, em Berlim, nas proximidades da estação ferroviária Südkreuz: trata-se de um enorme cilindro de cimento, com 21 metros de diâmetro e pesando 12 mil toneladas, penetrando 18 metros no solo e erguendo-se 14 metros nos céus da cidade.
Essa amostra de arquitetura nazista – aparentemente desprovida de função e construída em plena Segunda Guerra Mundial, à custa de mão de obra forçada francesa – foi um projeto importante encomendado pessoalmente por Hitler. Com o “Bauwerk T”, seu arquiteto, Albert Speer, deveria testar se naquele sítio o solo berlinense sustentaria um arco do triunfo com mais de 100 metros de altura, parte da planejada “Germania, capital do Reich”.
Hoje, esse “Schwerbelastungskörper”, ou estrutura para avaliação de estresse estático, é um local de parca informação, sem aquela espetacularidade esperada pelos turistas, quando se trata de Hitler, Speer e o mito da “Germania”.
Centro berlinense soterrado sob avenida dos desfiles
Ao lado do colosso de cimento, um ponto de atração estabelecido é a torre de 14 metros de altura, construída para fins turísticos em 2009. Chegando-se a seu topo, contudo, logo se desfaz o prazer com a quilométrica vista até a praça Potsdamer.
O observador se encontra exatamente à altura planejada para a Parade Strasse, com que Hitler e Speer pretendiam ligar o bairro do governo, localizado a quatro quilômetros, e o Südbahnhof, a um quilômetro, atravessando o centro da metrópole. Tudo à volta deveria desaparecer numa monstruosa colina.
Logo fica óbvio quantas casas teriam de ser soterradas, tudo o que teria desaparecido sob a avenida dos desfiles, com 120 metros de largura e um total de sete quilômetros de extensão. Para Michael Richter, da Berliner Unterwelten, esse é um testemunho da megalomania do urbanismo monumental do nacional-socialismo.
“Eu digo: esse lugar é o Reichsparteitagsgelände de Berlim. Aqui é a única possibilidade, na cidade, de vivenciar tridimensionalmente a dimensão do projeto urbanístico planejado. Tudo o mais permaneceu, mais ou menos, papel e modelos.”
O estacionamento mais fotografado de Berlin que esconde sua obscuridade
Os visitantes de Berlim votam com os pés: de dez em dez minutos, guias turísticos e seus grupos param diante do local, na rua Wilhelmstrasse, em que Adolf Hitler se suicidou em 1945. Do antigo abrigo subterrâneo, nada se vê: em vez disso, um banal terreno cimentado ao lado do restaurante “Pato de Pequim”. Essa é possivelmente a área de estacionamento mais fotografada da capital alemã.
São sobretudo os turistas americanos que querem ver o “bunker do Führer”, conta a guia Sabine. Mas outras nacionalidades também concorrem. O local já tem notoriedade desde 1945, como atração turística indesejada no Setor Soviético de Berlim. Por fim, o governo comunista da Alemanha Oriental o eliminou praticamente todo, só deixando alguns trechos das paredes laterais e do chão, no subterrâneo.
Depois da redescoberta, em escavações na década de 1990 e em seguida a uma longa disputa entre historiadores, a municipalidade berlinense decidiu tornar invisíveis os resquícios. Fragmentário demais, não valendo a pena gastar nem um euro com um local que possivelmente só atrairia os adeptos da extrema direita – eram os argumentos.
Ainda assim, o antigo bunker se manteve como ponto de atração para turistas. “Aqui os guias turísticos contam histórias, em parte, de arrepiar os cabelos”, comenta Holger Happel, da associação Berliner Unterwelten. A iniciativa pesquisa as construções no subsolo da capital, oferecendo visitas guiadas a algumas das instalações, como abrigos da época nazista e da Guerra Fria, túneis de metrô e adegas de cervejarias.
Para o “Führerbunker”, não há visitas, pois a meta de sua associação é, especialmente, desmistificar. “Em 2006 nós finalmente conseguimos convencer os responsáveis que uma placa informativa era o mínimo que se devia instalar num local assim, para dar fim aos contos fantasmagóricos”, explica Happel.
Em prol do turismo esclarecido
Por muito tempo, Berlim tentou livrar-se de seu “Schwerbelastungskörper”. Os projetos de implodi-lo, alugá-lo ou vendê-lo fracassaram. Por fim, a associação Berliner Unterwelten conseguiu convencer a prefeitura a conviver com o valor histórico da edificação tombada desde 1995.
Em 2015, 7 mil pessoas a visitaram. Isso não é muito, em comparação com o “bunker do Führer”: falta ao local o componente de dark tourism. Ainda assim, um dos pontos fortes dos centros de documentação alemães sobre a era nazista é fortalecer, para a confrontação intelectual, pontos de informação como em Berlim e Nurembergue, solidificando o “turismo educativo de cunho cultural”. E com isso, assegurar o futuro turístico desse locais, ainda para os próximos 50 ou 100 anos.
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