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A vida desconhecida de Leonardo Da Vinci na França

Mais engenheiro do que pintor, o gênio italiano passou seus três últimos anos de vida tentando atender aos pedidos do rei francês — como o de construir uma nova capital para o reino da França

Quando se pensa em Leonardo da Vinci, é comum associá-lo com a Itália — e por uma boa razão. O visionário artista e cientista, de fato, nasceu na cidade de Vinci (298 km de Roma), em 1452, e passou a maior parte de sua vida no seu país. Com 15 anos, Leonardo começou a aprender a pintar com o artista e escultor Andrea del Verrocchio, em Florença, numa cidade que também o colocou entre o círculo de pintores italianos de sua época.

Os biógrafos, assim, não estão errados em dizer que a maior parte de sua existência aconteceu em Florença e Milão — estudando e procurando encontrar a perfeição por meio das telas (o que ele achou que não tinha alcançado com a Mona Lisa) e inventando engenhocas como sua máquina voadora.

No entanto, a França também ocupa um papel importante na vida de Leonardo: em 1515, o rei Francisco I, fez uma visita à cidade de Lyon e ficou impressionado quando foi recebido por um leão mecânico construído pelo inventor italiano. O monarca achou a invenção tão fabulosa que convidou Leonardo a viver sob sua proteção em seu castelo na cidade de Amboise (209 km de Paris) no Vale do Loire, onde este passou os últimos três anos de sua vida, até morrer em maio de 1519.

Leonardo Da Vinci
Château d’Amboise

Na época, Leonardo trabalhava em um ateliê no Belvedere do Vaticano, em Roma, e foi designado “primier peinctre et ingénieur et architecte du Roy” (“Primeiro pintor e engenheiro e arquiteto do Rei”). Levou consigo alguns dos seus pupilos italianos, com Gian Giacomo Caprotti da Oreno e Francesco Melzi.

Durante seus anos finais na França, os interesses de Leonardo já não estavam mais na pintura, mas na engenharia e na arquitetura, trabalhando em projetos demandados pelo rei que iam desde um alojamento de caça até uma nova capital. Apesar de muitos planos do inventor italiano jamais terem saído de sua mente, os visitantes atuais compram passagens aéreas para o Vale do Loire em busca dos passos do gênio da Renascença na região.

Um deles está no Château du Clos Lucé, uma mansão nos territórios do Château d’Amboise, onde o rei Francisco I viveu. Foi ali que Leonardo da Vinci chegou por ordem do monarca, que conseguia acessá-lo por meio de um túnel subterrâneo que ligava os dois prédios. Francisco I, segundo historiadores, chamava Leonardo de “pai”.

Leonardo Da Vinci
Château du Clos Lucé

O artista italiano levou três de suas pinturas para sua casa nova na França: Mona Lisa, A Virgem e o Menino com Santa Ana e São João Baptista, que ali ficaram até o velho Leonardo morrer, aos 67 anos, em uma cama do castelo — hoje as obras são exibidas ao público no Museu do Louvre, em Paris.

A mansão foi restaurada com o intuito de preservar os anos em que ele ali viveu, incluindo seu quarto, seu ateliê e os afrescos originais que fez nas paredes. Em seus escritos, ele elogiava de forma particular os vitrais coloridos que estão em toda parte da casa.

Se viveu em um castelo, Leonardo ajudou a desenhar o projeto de outro: o Château de Chambord, que jamais viu erguido porque a construção começou no mesmo ano de sua morte. Teóricos e historiadores da vida do artista italiano acreditam que ao menos parte do prédio clássico foi foi esboçada por ele.

Tanaka Hidemichi, um historiador das artes francesa e italiana da Universidade de Tohoku, no Japão, disse ao jornal Le Monde que os projetos originais de Da Vinci nunca foram encontrados e, pior do que isso, as reformas que a França fez no castelo nos séculos seguintes obscureceram alguns aspectos da sua arquitetura histórica. No entanto, há algo que expressa a assinatura de Leonardo ainda hoje: a escadaria em dupla hélice ladeada pelos apartamentos idênticos — exemplos da elegância matemática que faz parte dos seus trabalhos.

Em junho de 1518, Leonardo ainda provou outro dos seus talentos: o de organizador de eventos, ao organizar um festival para o casamento de Lorenzo di Pietro de Médici e Madeleine de La Tour d’Auvergne, em Amboise.

O plano mais audacioso do rei francês, no entanto, também fora concedido a Leonardo: construir, em Romorantin, uma cidade que substituiria Paris como capital do reino da França. A ideia era criar uma cidade utópica ideal que se tornaria mais imponente do que a metrópole onde Francisco vivia com sua corte. O projeto — que consistia em um canal com água desviada de um afluente do Rio Loire, um palácio real, jardins, moinhos d’água, terras agrícolas e subúrbios — nunca foi realizado. O rei colocou todos os seus esforços no plano, mas naquela época a saúde de Leonardo já se agravava.

No entanto, os visitantes ainda podem encontrar hoje uma cidade pitoresca com restaurantes, museus e atividades ao ar livre. Antes da cidade, Francisco I queria erguer um castelo em Romorantin, e no inverno de 1517 ele chegou a desenhar os projetos do edifício, dos jardins, das fontes e de um complexo de canais, mas eles nunca saíram do papel. Outros desenhos arquitetônicos de Leonardo da Vinci podem ser encontrados em partes dos castelos de Chambord e de Blois.

Por fim, outro castelo ajuda a contar o período francês da vida de Leonardo da Vinci: o Château d’Amboise, propriedade que ficava a 300 metros de sua residência oficial e onde ele, pode-se dizer, também viveu. De 1400 a 1800, ele foi a casa real, propriedade onde os reis franceses costumavam se hospedar quando visitavam a região. Hoje todas as áreas internas e externas do d’Amboise estão abertas para visitação dos turistas.

A grande atração do local, no entanto, é a tumba de Leonardo da Vinci. Doente há algum tempo, ele escreveu seu testamento em abril de 1519, pedindo que seu corpo fosse enterrado na igreja de St. Florentin, em Amboise, e deixando todos os seus bens como herança para seus ajudantes. Em 2 de maio daquele ano, ele morreu — há uma lenda romântica, mas inverídica, de que o último suspiro do artista aconteceu nos braços de Francisco I. Três meses depois da morte, após um grande velório, ele foi enterrado na capela anexa ao Château d’Amboise.

O local usado para guardar seus restos mortais, no entanto, é um pouco obscuro. Durante a Revolução Francesa, a igreja de St. Florentin foi severamente danificada, e logo depois demolida por ordem do imperador Napoleão Bonaparte, em 1808. Os ossos de Leonardo só seriam encontrados no terreno onde ficava o templo em 1863 — 60 anos depois de sua destruição –, e então transferidos para a capela St. Hubert, também em Amboise. No local onde ficava a igreja de St. Florentin há um busto do artista muito fotografado pelos turistas atuais.

Leonardo Da Vinci

E como a Mona Lisa foi parar no Louvre?

Depois de sua morte, as posses remanescentes de Leonardo da Vinci foram distribuídas entre seus pupilos. Melzi ficou com seus livros, pinturas e algumas ferramentas utilizadas pelo mestre. Salai, outro dos seus alunos, ficou com metade do jardim da casa do artista em Milão, na Itália. Não se sabe o que Giacomo herdou.

Em 1525, porém, descobriu-se que Salai estava com algumas telas de Leonardo da Vinci, como Mona Lisa e São João Baptista. Até hoje não se sabe como as obras foram parar em suas mãos, mas quando o rei Francisco I descobriu, comprou imediatamente o quadro e o pendurou no palácio real de Fontainebleau, no subúrbio de Paris.

Ele ficou ali até Luís XIV transferi-lo para Versalhes, então a nova moradia do rei francês que ele acabara de construir. Com a Revolução Francesa, que transformou o Louvre em museu e inutilizou o edifício real monumental, a tela foi levada novamente para Paris, onde hoje recebe a visita de 30 milhões de pessoas por ano.

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