UMA RÁPIDA LEMBRANÇA DOS ANOS 70: O nome do show era “Vou danado prá Catende” e o público do eixo Rio/São Paulo conheceu um grupo de músicos pernambucanos cabeludos, todos, escolhidos a dedo, compondo a banda de apoio de um jovem cheio de atitudes e com um comportamento bem diferente e revolucionário para a época, Alceu Valença.
O cantor e compositor nascido em São Bento do Una (PE) , trouxe na bagagem uma explosão musical nordestina revestida pelo mais autêntico sotaque pernambucano, uma sonoridade nunca antes ouvida no Sudeste, impressionando positivamente a todos. A música brasileira precisava daquilo!
Depois de ter gravado seu primeiro disco, “Quadrafônico”, junto com Geraldo Azevedo, em 1972, ter participado do filme “A noite do espantalho”, do diretor Sérgio Ricardo, gravado em Nova Jerusalém – PE e ter dado início a sua carreira solo com o LP “Molhado de suor”, Alceu parte para mais um desafio e, em 1976, o LP “Vivo” foi gravado. Muitos admiradores da música o têm como um dos melhores registros sonoros da época. É incrível como os arranjos, feitos e apresentados naquele momento, continuam tão modernos hoje em dia. A qualidade, dos músicos e das composições, é de altíssimo nível. Uma obra que pode ser tida como “divisora de águas” da música popular brasileira.
“Vivo”, gravado em 1976, com certeza, será um assunto mais explorado futuramente por este colunista.
2016
Exatamente 40 anos depois da gravação do LP “Vivo”, originado do show “Vou danado prá Catende”, somos surpreendidos por Alceu com o DVD “VIVO! REVIVO!”
Em alguns festivais Alceu já vinha apresentando esse show que é baseado nos seus 3 primeiros LPs: “Molhado de suor” – 74 , “Vivo” – 76 e “Espelho Cristalino” de 77. A aceitação é sempre maravilhosa, conquistando até mesmo os fãs mais radicais do rock pela sonoridade apresentada. Obviamente a internet tem ajudado bastante na aproximação com a nova geração de ouvintes. Tive oportunidade de assistir a uma dessas apresentações em São Paulo.
A sincronia da banda, tanto no DVD quanto nas apresentações, é impressionante. Para felicidade dos mais nostálgicos, Paulo Rafael está em plena forma e é o único componente daquele time dos anos 70. Até alguns anos atrás, quando Alceu resolveu voltar com o show “Vivo”, Lula Côrtes, multiartista pernambucano, fez algumas participações com seu inseparável “tricórdio”. Vídeos com a participação de Lula são facilmente encontrados na internet. É importante lembrarmos a participação mais que especial de Zé da Flauta que também vinha acompanhando Alceu nessa nova retomada do“Vivo”.
É interessante lembrar que a mesma formação musical (baixo, guitarra, bateria, percussão, flauta e viola), apresentada em 76, é repetida em 2016.
“Vivo! Revivo” conta com 15 músicas. O LP (de 76) tem 8 faixas.
Para os mais curiosos, o DVD tem praticamente todos os arranjos idênticos ao LP. Existe um detalhe na letra de “Edipiana nº 01” que traz mais um presente, guardado há tantos anos, no momento em que parte para um repente com várias citações de amigos perseguidos pelo regime militar. Em 1976, Zé Ramalho abria essa parte da música cantando de outra maneira. Quem se assustou com o nome “Zé Ramalho”, não leu errado. Existia na banda de apoio, que tocou no festival “Abertura” em 75 e que gravou o LP em 76, além de diversas apresentações, um violeiro, ainda não muito conhecido do público, cujo nome era Zé Ramalho da Paraíba, hoje, o consagrado cantor e compositor Zé Ramalho.
Acredito que o regime militar pode ter tido alguma interferência para que Alceu mudasse a letra em 76.
1976: “(Ói) você pode acreditar / que eu tenho quarenta irmãos / todos (precisando pão) precisam do pão / e eu sozinho pra trabalhar /…” Todo esse trecho segue de uma forma totalmente diferente, mas, citando nomes de pessoas e lugares, cidades, mostrando a luta do povo brasileiro, seja contra a fome, seja contra o regime. No final, gritando, ele segue: “EU SOZINHO PRA TRABALHAR, EU SOZINHO A RECLAMAR, MAMÃE!”
Em 2016, Alceu canta: “(Ói) você pode acreditar / Que a saudade tá doendo / O meu coração batendo / vendo a hora de voltar / Eu sou como um passarinho / que voou pra outras terras / Minha amada dona Delma / Quero voltar pro seu ninho / Dê um beijo em doutor Décio / um abraço pra Decinho / pra Fernanda e Aécio / Pra Delminha dois cheirinhos / Agora vou confessar / Que eu tenho outros irmãos / lutando contra o canhão / Do regime militar…” a continuação é ainda mais emocionante.
No final da música, gritos do artista ecoam forte e repetidamente: “ VIVA O PODER POPULAR!!!” Finalizando com um berro: “MAMÃE!”
“Edipiana Nº 1” é uma das faixas que mais me comoveu tanto em 76, pela descoberta de Zé Ramalho cantando, quanto em 2016 pelo forte e emocionante conteúdo revelado no trecho citado acima.
AINDA PARA OS CURIOSOS:
*A música “Papagaio do Futuro” vem numa pegada diferente de 76. Um pouco mais rápida.
*Em 2016 Alceu usa a mesma camisa do show de 76.
*Lula Côrtes e Ivinho:
Muitos falam sobre o guitarrista Ivinho (Ave Sangria), porém ,Ivinho não estava na gravação do LP, no teatro Tereza Rachel, e sim Paulo Rafael que antes era baixista. Ivinho estava no festival “Abertura” (ver vídeo no Youtube) e em outras apresentações. O mesmo ocorre com Lula Côrtes, que na gravação do LP não estava presente.
*Lula Côrtes e Zé Ramalho:
No vídeo “Vou danado prá Catende”, na internet, é possível assistir essa formação com Alceu Valença ladeado por Lula Côrtes e Zé Ramalho, fazendo a linha de frente.
*A casa de Lula Côrtes foi usada para os ensaios do festival “Abertura”, em 75. Lembremos que nessa ocasião, Ivinho foi o guitarrista e Paulo Rafael esteve presente tocando baixo.
LP – “QUADRAFÔNICO” – 1972 – Alceu Valença e Geraldo Azevedo
“MOLHADO DE SUOR” – 1974
‘VIVO” – 1976
“Vivo! Revivo!” é o tipo de DVD musical que toma toda sua atenção em relação às letras e aos arranjos, detalhados com frases, que nos remetem a tons jazzísticos (em alguns momentos), altamente brasileiros, com um carregado sotaque, musical e linguístico, pernambucano. Maracatus e emboladas pairam no ar misturados com o baião. O ponteio da viola nordestina, a flauta e os aboios valencianos dão o tom da conversa.
Muitos dizem beirar o rock, em alguns momentos, mas, acredito que isso seja mais em atitudes tanto de Alceu, quanto dos músicos no palco, do que nas notas musicais usadas pela banda. Nos anos 70 Paulo Rafael foi muito influenciado pelo rock assim como Zé da Flauta e a banda Ave Sangria, não podemos nos esquecer disso. Ao mesmo tempo, no passado e atualmente, todos foram e são influenciados por Luiz Gonzaga, inclusive o próprio Alceu que não sofreu essa influência do rock recebida pelos moradores da capital, na adolescência. Obviamente, é nítido um som mais “pesado”, sim.
As faixas que não estão na gravação do LP são “Agalopado”, “Anjo de Fogo”, “Veneno”, “Espelho Cristalino”, “Dia Branco”, “Mensageira dos Anjos”, “Dente de Ocidente”, músicas, como havia mencionado antes, dos LPs, “Molhado de Suor” e “Espelho Cristalino”.
Estiveram no LP de 76: “Punhal de Prata”, “Descida da Ladeira”, Pontos Cardeais”, “O casamento da Raposa com o Rouxinol”, “Edipiana nº 1”, “Papagaio do futuro”, “Você Pensa” e a poderosa “Sol e Chuva”.
Não somente o LP “Vivo” mas o DVD “Vivo! Revivo!” são peças de arte importantíssimas que todo amante da música tem que ter em local de destaque de sua coleção!
VIVO – 1976
BANDA DA GRAVAÇÃO FEITA EM 1976 (de acordo com a contracapa do disco):
ZÉ DA FLAUTA (Flauta)
PAULO “LAMPIÃO” RAFAEL (Guitarra)
ZÉ RAMALHO DA PARAÍBA (Ukulêle, viola de 10 e 12 cordas)
ISRAEL (Bateria e Percussão
AGRÍCIO NOYA (Percussão)
DICINHO (Baixo)
ALCEU (Violão e Violinha)
Coordenação Geral: João Araújo
Direção de Produção: Guto Graça Mello
Arranjos: Alceu Valença
Som Livre
“VIVO! REVIVO!”
BANDA DA GRAVAÇÃO DO DVD 2015 (Lançado em 2016 e de acordo com o encarte do DVD):
ALCEU VALENÇA (Voz, violão e violinha)
PAULO RAFAEL (Guitarras)
CASSIO CUNHA (Bateria)
CESAR MICHILES (Flautas)
JEAN (Percussão e voz)
LEO STELGMANN (Craviola, percussão e voz)
NANDO BARRETO (Baixo e voz)
Diretor: Lula Queiroga
Direção Artística: Alceu Valença
Produção Musical: Paulo Rafael e Antônio “Tovinho” Mariano
Direção de Produção: Yanê Montenegro
Coprodução: Canal Brasil
DeckDisc
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