Por Grazielle Ueno Maccoppi
Durante muito tempo, a sociedade viveu condicionada a uma relação frenética com o tempo. Bem verdade que estamos embalados nessa adoração a velocidade, a rapidez e a instantaneidade, basta olhar para os avanços das ferramentas tecnológicas e das nossas relações nas redes sociais.
Estamos sempre com pressa, justificamos nossas ausências pela falta de tempo, assim como submetemos nosso presente ou nosso futuro a esta intensa e frágil relação. Não é difícil ouvir ou repetir frases como: quando eu tiver tempo vou desfrutar de uma viagem, vou visitar aquela amiga, ler aquele livro, aprender um novo saber. Vamos fazer alguma coisa quando tiver tempo, no sábado, no fim de semana, nas férias, no fim do ano, no ano que vem… a verdade é que nossa condição humana não se relaciona muito bem com o tempo, convenhamos, especialmente o tempo “presente” – entramos numa esfera cultural repleta de estigmas, dilemas que percorrem uma lógica perversa, da qual não estamos apropriados a dominar, não é mesmo?
Numa iniciativa contestatória desta relação suprimida com o tempo e com o acelerar, surge o movimento de lentidão, o slow. O slow food é o eixo principal que parte do reconhecimento do alimento como questão crucial para promover padrões alternativos de produção e consumo. O movimento é considerado como um multiplicador de práticas que prezam pela colaboração e pela desaceleração em larga escala. O início foi em Roma, durante uma manifestação liderada pelo jornalista Carlo Petrini, que na década de 80 ‘lutava’ contra a instalação de uma rede norte-americana de fast food. Em alguns anos, o movimento passou a ser organizado sob a forma de associação internacional e foi naturalmente ganhando força e adeptos mundo a fora. Ações espontâneas para valorizar o desacelerar foram surgindo com o passar dos anos.
No Japão, país reconhecido pelo ritmo acelerado, desde 2003 busca-se desenvolver como estratégia governamental a aproximação com a sustentabilidade a partir do bem-estar de seus moradores. O trabalho foi iniciado pela prefeitura de uma pequena cidade, chamada Iwate, que despertou a elaboração e adoção de uma conduta coletiva de lentidão. Isso mesmo, a política governamental de uma cidade inteira busca desacelerar: no trânsito, nas compras, na moradia, na alimentação, na indústria e até na educação. A cidade e seus moradores caminham em busca de um objetivo comum, a Slow Life que é uma conduta de vida mais respeitosa, equilibrada e sustentável. Não se trata de realizar as atividades devagar, mas sim em fazer uso consciente do tempo para os afazeres cotidianos e assim valorizar a qualidade de vida e o equilíbrio entre a satisfação pessoal e profissional. Além desta iniciativa, existem outras espalhadas pelo mundo, denotando que a lentidão incorpora uma ampla filosofia que segue conquistando a vida de muita gente. Entre as ações de destaque estão: o Clube da Preguiça, no Japão; a Fundação Longo Agora, dos Estados Unidos e a Sociedade Europeia para a Desaceleração do Tempo.
Todas estas iniciativas estão de alguma forma em consonância com a construção da realidade que estamos enfrentando hoje. Certamente já ouviu e se irritou com a expressão “novo normal”. Mas a realidade é que fomos pressionados a construir em poucos meses uma nova forma de pensar e agir. Estamos em busca do equilíbrio para viver neste momento e talvez a resposta seja desacelerar. Desacelerar para conseguir valorizar a riqueza do contato com a natureza, do cheiro das flores na chegada da Primavera, do barulho do mar, ou do vento assoviando as folhas. Desacelerar para enxergar mecanismos de valorização do pequeno comerciante, dos esforços do agricultor, do manuseio lento de uma mão artesã. Desacelerar para perceber o que existe na nossa essência, o que é a -qualidade de vida e de bem-estar para nós mesmos.
É neste cenário de reflexão e de repensar, que quero te convidar a olhar para o turismo. No contexto atual, o turismo é sinônimo de geração de renda e de benefícios econômicos, sendo uma ferramenta de alavancagem econômica de cidades e até países inteiros. Mas, apesar desta força econômica, o turismo é um processo de produção social com interferência em outros campos. Seu principal recurso são as relações humanas e sociais, e é a partir destas relações que fica fácil perceber a sua importância. “Vontade de viajar, né, minha filha?”
Pensar no fenômeno do turismo é pensar numa prática social. No turismo existe uma constante organização/desorganização capaz de romper com padrões, ele é um instrumento de novas interpretações que pode estar associado com ver e interpretar o “novo normal”, mesmo que sob condições tão singulares.
O turismo é um convite constante para repensar e desacelerar. Os princípios do movimento slow food, também foram disseminados para o turismo no denominado Slow Tourism ou Turismo Lento. Essa prática prevê a viagem a partir do respeito ao meio ambiente, a valorização do espaço natural, ao resgate das práticas sociais – do saber fazer, da simplicidade e da desconexão e entrega ao destino visitado, num propiciar imersivo de uma experiência de viagem real e repleta de significados.
Praticar um “novo” olhar para o fenômeno turístico é caminhar no acolhimento da compreensão desta “nova” realidade. Assim, o turismo é para todos um convite sempre aberto a acolher as suas relações. É uma forma de desacelerar e de valorizar e vivenciar o tempo.
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