Levanta a mão aqui quem nunca ficou enlouquecido, tendo que memorizar nomes de faraós, datas de dinastias, feitos realizados por grandes governantes e claro, pra dar aquela descontraída, também quem nunca se impressionou com as fofocas de bastidores do Egito Antigo? Com todas essas memórias remexidas, lá fui eu visitar a exposição “Egito Antigo: do cotidiano à eternidade”, em cartaz no CCBB-RJ.
Estive no Centro Cultural Banco do Brasil em uma visita exclusiva para imprensa, quando a nova exposição, que ainda estava sendo montada me levou a uma viagem no tempo, em meio a muitas memórias e aulas de história. Havia obras encostadas por toda a parte, andaimes, escadas e aquele ritmo acelerado pra tudo ficar prontinho a tempo. Decidi deixar para publicar a matéria depois de visitar a exposição toda completinha, afinal, minha proposta é deixar tudo muito bem explicadinho aqui para você poder ter uma experiência mais completa na sua visita. Reuni o melhor das duas visitas: na primeira, a companhia do diretor do Museo Egizio de Turim, Christian Greco, de onde vieram as 140 peças, que nos explicou detalhes importantes da construção daquela exposição e em outra visita, desta vez em meio ao público, pude acompanhar as percepções do público e ver a exposição completamente montada.
Exibida entre os dias 12 de outubro de 2019 e 27 de janeiro de 2020, no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ), a mostra reúne 140 peças que têm em comum a relevância para o entendimento dessa cultura que manteve parcialmente os mesmos modelos religiosos, políticos, artísticos e literários por três milênios.
De forma compacta aspectos da historiografia geral do Egito Antigo são apresentados ao grande público de forma didática e interativa, por meio de esculturas, pinturas, amuletos, objetos cotidianos, um Livro dos Mortos em papiro, objetos litúrgicos e ostracons (fragmento de cerâmica ou pedra usados para escrever mensagens oficiais), além de sarcófagos, múmias de animais e uma múmia humana da 25ª dinastia.
Muitas das peças de Egito Antigo: do cotidiano à eternidade são resultantes de escavações do século 19 e início do século 20, e todas vieram do Museu Egípcio de Turim (Museo Egizio), na Itália. Fundado em 1824 por Carlo Felice di Savoia, rei da Sardenha, o museu italiano reúne a segunda maior coleção egiptológica do mundo (depois do Museu do Cairo), com cerca de 26.500 artefatos do Egito Antigo.
A exibição é dividida em três seções: vida cotidiana, religião e eternidade, que ilustram como era o cotidiano das pessoas do vale do Nilo, revelam características do politeísmo egípcio e abordam suas práticas funerárias.
Cada seção apresenta um tipo particular de artefato arqueológico, contextualizado por meio de coloração e iluminação projetadas para provocar efeitos perceptuais, simbólicos e evocativos. As cores escolhidas são: amarelo para a seção da vida cotidiana; verde para a religião; azul para as tradições funerárias – associadas a três intensidades da iluminação (brilhante, suave e baixa).
Na “vida cotidiana”, a primeira parte da exposição, as imagens transportam o público para o modo de vida de uma civilização intimamente ligada à figura do Sol, Deus representado em pinturas, escritos, adereços e objetos, entre outros artefatos, relacionados ao Egito Antigo.
Por meio dos objetos expostos – adornos, artigos de higiene, pentes, frascos de cosméticos, sapatos, vestimentas (que, às vezes, deixavam os seios à mostra), entre outros – é possível entender aspectos como trabalho, nutrição, saúde e sexualidade da civilização egípcia.
Os níveis sociais em torno da cultura e das esferas administrativas e sacerdotais eram reservados a altos dignitários, que desfrutavam dos maiores privilégios, praticavam caça e pesca e cuidavam do corpo com óleos, pomadas, banhos e perfumes. Tanto mulheres quanto homens usavam maquiagem, especialmente o kohl, uma mistura preta aplicada ao redor dos olhos, que servia na verdade para proteger.
Já os camponeses viviam como o esteio da economia, junto com os servos. Suas vidas e trabalho eram determinados por um evento cíclico fundamental: a inundação do Nilo, em julho, que transformava os campos em pântanos lamacentos. Era muito incomum mudar de classe social, mas com o escriba era diferente, uma vez que ele poderia melhorar muito seu status já que seu conhecimento era requisito para os cargos mais altos: era necessário dominar o hieróglifo e a escrita administrativa, em particular hierática (versão cursiva do hieróglifo), muito mais rápida, usada em anotações e documentos. Enquanto o hieróglifo era escrito em pedra ou papiro precioso, o hierático era registrado em óstracons.
Seguindo para a segunda parte da exposição, a “religião”, ilustra a relação dos egípcios com o sagrado, levando o visitante para dentro de um templo, em um ambiente em tons de verde. Essa cor está ligada a muitos conceitos, em especial ao renascimento e à regeneração, assim como à cor da pele do deus Osíris, rei dos mortos, e à tonalidade do papiro, feito a partir da planta identificada com o Nilo, que crescia na água e representava uma nova vida.
A religião egípcia era politeísta, marcada por um grande número de divindades maiores e menores, lembro-me bem do quanto sofri na escola para memorizar alguns deles… A forma mais íntima de devoção pessoal era o culto votivo, que envolvia a consagração de objetos representando as divindades. Muitos deuses assumiam a forma animal, e espécies associadas a divindades específicas eram adoradas. Nos templos, um animal associado a um deus poderia ser considerado sua encarnação e, se morresse, seria mumificado e poderia ser deixado como oferenda. Foram encontradas milhares de múmias, especialmente gatos para a deusa Bastet, cães para o deus Anúbis, falcões para o deus Hórus e íbis para o deus Thoth. As múmias eram acompanhadas de objetos em vários materiais, incluindo estátuas de divindades e estelas de pedra calcária, diante das quais as oferendas seriam deixadas. Felizmente, aqui nesta parte da exposição é possível observar alguns exemplares destas pequenas múmias.
Outro aspecto importante da religião era a magia, desde a vida cotidiana até os ritos funerários – às vezes, considerada o único remédio contra o comportamento incompreensível dos deuses, demônios, anjos e espíritos dos mortos. A doença era vista como uma possessão por uma entidade prejudicial que precisava ser derrotada. As estátuas de cura pertencem a essa esfera e apareceram pela primeira vez no Império Novo (iniciado em cerca de 1500 a.C.), podendo curar picadas de cobra e escorpião, com a água ou leite que era derramada sobre elas e sobre os textos mágicos que cobriam as feridas. Vale observar aqui que a magia era algo totalmente aceitável e isso não tornava uma pessoa menos religiosa por esta prática.
Já na “eternidade” embarcamos em uma atmosfera mais sombria, em um ambiente com iluminação azul meia-noite, considerada pelos egípcios como a cor da eternidade. O terceiro espaço expositivo aborda as tradições funerárias e a vida após a morte. A luz ainda mais fraca sugere os locais fechados e selados das câmaras funerárias, onde os bens da sepultura eram originalmente colocados. Assim, somos transportados ao interior de uma tumba para acompanhar desde a sua idealização e construção até o sofisticado ritual de mumificação. A escuridão noturna, fase em que a deusa Nut engolia o Sol, era associada ao reino dos mortos; e o azul é a cor do lápis-lazúli, mineral precioso valorizado pelos egípcios.
Os elementos da arquitetura das tumbas atendiam exigências relacionadas às crenças funerárias. Esse ritual atingiu sua máxima expressão com a mumificação, que era considerada uma proteção do corpo para continuar a vida após a morte. Os órgãos internos eram retirados, tratados e guardados em vasos canópicos, pois os egípcios acreditam que era preciso preservá-los para assegurar a vida eterna; só o cérebro era descartado; e o coração, a casa da alma, era recolocado na múmia. Essa função protetora da mumificação era reforçada pela recitação de fórmulas mágicas, representando espíritos ou divindades particulares, e posicionando amuletos em pontos específicos da múmia: o djed (hieróglifo em forma de pilar) era colocado atrás do corpo, como símbolo de estabilidade e força; o besouro coberto de fórmulas mágicas protetoras, no coração; os espíritos funerários, no músculo cardíaco; as divindades protetoras, nos órgãos do abdômen. Várias destas peças estão expostas por lá também.
A partir do Império Médio (iniciado em cerca de 2000 a.C.), as tumbas ganharam estatuetas funerárias, conhecidas como shabtis, que tinham a tarefa de substituir o falecido se fosse convocado para realizar trabalho agrícola ou qualquer outra tarefa após a morte. No entanto, o objeto mais importante era o caixão, cuja função principal era preservar o corpo. Prepare-se para ver lindíssimos caixões coloridos nesta sala. Neste ambiente é possível observar que uma múmia foi colocada de forma premeditada em um desses caixões, causando assim borrões em sua pintura original. Ao longo dos séculos, os caixões foram mudando tanto em forma quanto em decoração e, muitas vezes, era identificado com Nut, a deusa do céu e mãe divina, que acolhia os mortos e lhes permitiria começar uma nova vida.
Mas Naira, você mencionou lá no início que havia interatividade, simulações… onde? Pois então, entramos agora na parte mais “Disney” da exposição, aquele lugar que chega a dar calafrios em Paolo Marini, egiptólogo do Museo Egizio de Turim. Para os egiptólogos, pirâmides mesmo são só aquelas, as autênticas, que estão lá no Egito. O resto é Disney.
Mas, para nossa alegria, simples mortais que somos, essa mostra de “Disney” é garantida por espaços como uma pirâmide de seis metros de altura, no térreo. Ficou com vontade de fazer umas fotocas no melhor estilo Tutancamon? Basta entrar e se deliciar.
E que tal escrever o nome em hieróglifo, observar mais de perto uma escavação ou ver de pertinho parte do material registrado pelas equipes de Napoleão entre 1798 e 1801? Ah, bendita tecnologia!! É justamente por todo esse lado “Disney” que muitas pessoas serão fisgadas. Pessoas estas que, de outra maneira, sequer pensariam em visitar uma exposição com objetos de quatro mil anos. Vamos lá de novo, todos juntinhos comigo: Viva a tecnologia!!
Serviço:
Egito Antigo: do cotidiano à eternidade | Centro Cultural Banco do Brasil
- CCBB Rio de Janeiro: 12/10/2019 a 27/01/2020
- CCBB São Paulo: 19/02/2020 a 11/05/2020
- CCBB Distrito Federal: 02/06/2020 a 30/08/2020
- CCBB Belo Horizonte: 16/09/2020 a 23/11/2020
Entrada gratuita