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Museu do Prado, em Madri, comemora 200 anos de existência

Testemunha de um reino, uma guerra civil, uma ditadura e a democracia – não sem crises econômicas -, o Museu do Prado hoje é a grande atração turística da Espanha

Museu do Prado

O Museu do Prado, em Madri, na Espanha, não foi projetado para ser uma das galerias de arte mais importantes do mundo. No entanto, neste ano em que celebra dois séculos de existência, o museu mais importante do país recebe quase 3 milhões de visitantes por ano – no que se converteu em uma das coleções mais respeitadas da Europa e do mundo.

O palácio neoclássico do Prado data de 1785, quando o rei Carlos III encarregou o arquiteto Juan de Villanueva de construir um edifício para acolher o Gabinete de Ciências Naturais da Espanha. Anos depois, seu neto, o ultraconservador Fernando VII – e especialmente sua mulher, Isabel de Bragança, cujo retrato é a atração principal de uma das salas -, quem, seguindo a moda que imperava nas monarquias europeias de adquirir prestígio por meio de coleções de arte, destinou o edifício ao Real Museo de Pinturas y Esculturas.

Museu do Prado

O Real Museo abriu suas portas em 1819 com o nome de Museo Nacional do Prado, um catálogo de 311 obras e a pretensão de mostrar ao mundo a qualidade da pintura espanhola. No início, a maioria das peças era proveniente das próprias escolas da Espanha.

“Fernando queria apresentar a riqueza da coleção, não fazer uma contribuição ao progresso científico”, afirmou Javier Portus, curador de uma exposição que celebrou o bicentenário do museu até março, ao jornal El País. “A ironia é que ele abriu suas portas em um período de pensamento claramente retrógrado na Espanha”, completou.

A exposição mostrou como, desde seus primórdios, o Prado passou por crises da política espanhola – um país que passou de uma potência imperial a uma nação dividida por uma guerra civil, chegando a uma ditadura e, agora, à conturbada democracia. Durante todos esses processos, o museu sempre ficou ameaçado, principalmente no conflito do final da década de 1930, quando as pinturas mais importantes foram saqueadas e levadas para a Suíça.

Em outras ocasiões, a turbulência beneficiou o museu: na década de 1830, para pagar a dívida pública da Espanha, os monastérios do país foram todos expropriados, assim com as obras de arte, que, por meio de leilões judiciais, acabaram parando no Prado, então declarado museu nacional, na década de 1870.

Museu do Prado

No entanto, ao longo de dois séculos de mudanças, o Museu do Prado manteve seu lugar de riqueza cultural espanhola, como Carlos III queria. Não à toa ele foi inaugurado em uma época dourada para os museus europeus: o Louvre abriu suas portas em Paris em 1793, durante a Revolução Francesa, o Rijksmuseum surgiu sete anos depois em Amsterdã, na Holanda, e duas décadas depois foi criada a National Gallery, em Londres.

A maioria dos visitantes ainda se surpreende com a relativa “juventude” do museu, já que a maioria de suas peças data do século 16 – retratos do imperador Carlos V feitos por pintores como Ticiano, por exemplo. Em comparação com alguns outros museus, o Prado se difere, segundo Thiago Rocha, historiador da Universidade Federal do ABC (UFABC), por “ser a coleção de imperador que obteve o melhor dos países europeus quando reinou”.

Excepcionalmente rico em obras de mestres europeus dos séculos 16 ao 19, seu principal atrativo está na ampla presença de quadros de Velázquez, El Greco e Goya – o artista mais frequente no museu – e de artistas de escolas flamengas e italianas, como Ticiano, Rubens e El Bosco, dos quais o Museu do Prado possui as maiores coleções do mundo. Somam-se a elas peças de Murillo, Ribera, Zurbarán, Rafael, Veronese, Tintoretto e Van Dyck, para citar apenas os mais relevantes.

Apesar do seu patrimônio extenso – seu inventário contabiliza 8,6 mil pinturas, 950 culturas, 6,4 mil desenhos, 2,4 mil gravações, 800 objetos decorativos, 900 moedas e 800 medalhas -, o museu exibia até poucos anos atrás menos de mil obras, o que levou a instituição a projetar uma ampliação maior do que as que já tinham sido feitas.

O Prado ainda conta a história de como vários artistas importantes, como o francês Édouard Manet e os estadunidenses William Merritt e John Sargent, foram ao museu para ver obras de grandes mestres espanhóis, como Velázquez. E se orgulha de ter feito parte do programa de educação do governo espanhol durante a Segunda República, nos anos 1930. Nessa campanha, uma das primeiras mostras itinerantes levou cópias de obras centrais do museu a 170 povoados do país, muitos dos quais estavam ilhados em regiões agrícolas.

No próprio museu é possível ver uma fotografia feita em 1932 de um conjunto de rurais impressionados diante do quadro Las Hilanderas, feito por Velázquez em 1657. “As pessoas analfabetas que nunca tinham saído dos seus povoados descobriram-no de repente”, disse Portus. “É um tipo de projeto pedagógico que agora poderia ser mais fácil por causa da internet e das redes sociais, mas naquela época foi um momento sem precedentes para o Prado”, completou.

Na segunda vez que algumas obras saíram do Prado, as circunstâncias não eram das melhores: pouco depois do golpe militar de julho de 1936, instigado por Francisco Franco e alguns dos seus colegas generais contra o governo republicano -, Madri se converteu em um dos principais campos de batalha que, com o tempo, se tornaria uma guerra de três anos. Durante um dos ataques aéreos à capital, em novembro daquele mesmo ano, nove bombas caíram sobre o teto do museu.

Quando o governo republicano abandonou Madri em direção a Valência, e depois a Barcelona, levou consigo cerca de duas mil obras de arte, incluindo 300 das mais importantes peças do Prado. Logo depois, elas foram enviadas a Genebra, na Suíça, onde passaram todo o período do conflito. Quando Franco enfim ganhou a guerra, ordenou que elas fossem trazidas de volta e colocadas no prédio madrilenho.

A ditadura de Franco, iniciada em 1939, durou até 1975, quando ele morreu. O regime não apenas adicionou peças à coleção do Prado, mas também financiou duas novas extensões ao edifício original do museu, além de realizar a reforma que substituiu todos os pisos de madeira por mármore. Com a expansão a outros edifícios históricos do entorno, como o Casón del Retiro, o Prado compreende hoje um campus museólogo que reforça a oferta cultural que em Madri se conhece como o “quarteirão da arte”.

No entanto, Franco fez pouco para promover a investigação acadêmica e criar exposições – o regime se preocupava apenas em usar os salões suntuosos para receber chefes de Estado e outros líderes mundiais durante visitas oficiais.

No ano passado, 60% dos visitantes do Prado eram estrangeiros, segundo o museu. No entanto, ainda que tenha se tornado uma atração turística internacional em Madri, a instituição segue sendo uma pedra angular no coração dos espanhóis: “Ele segue contribuindo para nossa pompa nacionalista como democracia e monarquia, no melhor sentido”, finalizou Portus.

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