Fundação de amigos da igreja e arquitetos previam que uma restauração adequada da Notre-Dame custaria R$ 175 milhões em 2017
As gárgulas velhas e os balaústres caídos foram substituídos por tubos de plástico e tábuas de madeira. Arcos escurecidos pela contaminação estavam erosionados pela chuva. Pináculos ficavam sustentados por vigas e unidos por nós de cordas. No entanto, pouco dessa deterioração era visível aos 13 milhões de turistas anuais que entravam na nave da Notre-Dame, na Île de la Cité, em Paris, até o incêndio que consumiu parte do templo gótico nesta segunda-feira (15).
André Finot, porta-voz da administração da catedral, tinha sinalizado as dificuldades há pouco tempo, em uma reportagem publicada pelo jornal britânico The Guardian. “Por todas as partes a pedra está com erosão e, quando sopra o vento, um monte dessas pequenas pedras cai”, disse em 2017. “A situação está saindo do controle”, continuava ele dois anos atrás.
Não era a primeira vez que a igreja, considerada uma joia da arquitetura gótica medieval, necessitava de uma remodelação. No entanto, os especialistas afirmavam que a Notre-Dame, ainda que fora de risco de cair, tinha chegado a um momento crítico que demandava atenção — e dinheiro.
Para pagar os gastos estimados, €150 milhões (R$ 650 milhões), a igreja esperava capitalizar não apenas o patriotismo arquitetônico expresso na arquitetura francesa, como também o amor que bilionários mundiais possuem pela França e por sua capital. O empresário francês Bernard Arnault, colecionador de artes e presidente do maior conglomerado de marcas de luxo do mundo, LVMH, já anunciou que vai doar €100 milhões (R$ 439 milhões) para a reconstrução, que por agora sequer é planejada.
O diretor da Amigos de Notre-Dame de Paris, Michel Picaud, era outro que alertava para os riscos que a igreja corria em 2017. “Há uma necessidade de trabalho de restauração urgente”, dizia ao The Guardian há dois anos.
A Notre-Dame foi construída 857 anos atrás, na metade do século 12, com a ambição de ser a maior igreja do mundo. Desde então, ela se tornou o exemplar mais acabado da arquitetura gótica, estilo que evoluiu do romanesco por volta de 1.100 d.C e alcançou seu ápice na metade dos anos 1400. No século 19, quando o escritor francês Victor Hugo escreveu Notre-Dame de Paris — auge da Renascença –, os parisienses consideravam as construções medievais vulgares e monstruosas.
A igreja ajuda a contar boa parte da história da França e do Ocidente: ali foram coroados reis franceses, sediados eventos importantes da Revolução Francesa e lugar escolhido por Napoleão Bonaparte, anos depois, para coroar a si mesmo imperador. Foi dali também que ele partiu para expedições militares na Europa, no Egito e na Rússia, e não à toa a Place du Parvis, em frente ao monumento, é o marco-zero da França.
“A Notre-Dame de Paris continua sendo um sublime e majestoso monumento, mas por mais majestade que tenha sido conservada com o tempo, não é possível não se indignar com a degradação e as mutilações de todos os tipos que os homens e o passar dos anos infringiram a esse venerado monumento”, escreveu Hugo em seu livro famoso.
Antes do incêndio, a água caía pela torre de chumbo que desmoronou com o fogo, enfraquecendo sua estrutura de madeira. A chuva, em parte ácida, estava corroendo lentamente os arcos e os pináculos decorativos construídos com calcário. As gárgulas caíam no chão e tinham sido substituídas, em parte, por tubos PVC. Em um pequeno jardim do outro lado da catedral, recentemente a administração empilhou restos de alvenaria que estavam velhos ou tinha caído da igreja nos últimos anos.
Philippe Villeneuve, arquiteto-chefe que vencera um dos concursos de restauração, explicou ao The Guardian que era complicado realizar o processo na Notre-Dame porque, na arquitetura gótica, “todos os elementos da construção têm um papel estrutural”. Os pináculos, por exemplo, servem para ancorar e estabilizar os arcos paralelos, que recebem todo o peso da igreja. As caras retorcidas das gárgulas chamam a atenção dos turistas, mas sem elas a água da chuva ficaria empossada no telhado.
“Se o edifício perder três pináculos, vai ficar desequilibrado”, disse à época.
A Fundação Amigos de Notre-Dame calculava, antes do incêndio, que era necessário R$ 175,8 milhões para as reparações urgentes. O Estado francês, proprietário da igreja, dedica €2 milhões (R$ 8,7 milhões) para a manutenção e, em 2016, se comprometeu a duplicar essa quantidade durante os dez anos seguintes.
2 Comentários