Ganvie está localizada dentro de um dos maiores lagos africanos remete à história do mercado de escravos no continente
Cotonou é a maior cidade do Benin, uma pequena república da África Ocidental no Golfo do Guiné, a 42 km da capital do país, Porto Novo. Em 1855, os colonizadores franceses cavaram um canal ligando o oceano Atlântico da cidade com o lago Nokoué, o maior do país, ao Norte. Do outro lado das águas do lago, longe do trânsito caótico e dos mercados abarrotados de Cotonou, foi crescendo desde então um povoado diferente: Ganvie, hoje chamada de “Veneza africana” por ser toda feita de palafitas.
No século XVII, quando o comércio português de escravos estava se expandindo na África, uma tribo chamada Tofinu navegou para dentro do Nokoué fugindo dos negociantes escravocratas da tribo de Fon, do poderoso reino africano de Daomé. Crenças religiosas impediam que os Fon entrassem em conflitos dentro do lago, que era sagrado para eles.
Assim, as águas do Nokoué se tornaram um lugar seguro para os Tofinu, impedindo que eles fossem para as Américas como servos das colonizações europeias no “Novo Mundo” — e não à toa eles nunca mais voltaram para a terra firme. Assim, a quilômetros de distância de Cotonou, eles construíram Ganvie — que, na língua Fon, significa “Nós sobrevivemos”.
O Benin, vale dizer, é um dos países africanos que mais recebem turistas dos Estados Unidos e da América do Sul em busca de uma ancestralidade perdida durante o mercado de escravos dos séculos passados.
A história, em Benin, também tem uma versão mais lendária: para proteger o povo Tofinu, o rei de Ganvie foi forçado a fugir de sua terra natal. Eles passaram um dia e uma noite escapando em solo firme dos mercadores de Daomé, cujo rei era aliado dos europeus brancos, até que chegaram às bordas do Nokoué. Desesperado, o rei teria transformado a si mesmo em uma garça (dependendo de quem conta a história, o animal é mudado para um “falcão”) e mergulhado para dentro das águas até encontrar um lugar seguro para viver.
Como os Tofinu não podiam entrar no lago com todas as suas coisas, o rei se tornou um imenso crocodilo e, em suas costas, levou todo seu povo para dentro do Nokoué. Assim, quando os Fon chegaram às margens das águas, não encontraram os seus perseguidos.
Pior do que isso: eles temiam que espíritos furiosos morassem exatamente ali e, com medo, decidiram não entrar no lago. Os Tofinu, dessa forma, se tornaram um dos poucos povos do Benin que não foram vendidos como escravos para as Américas.
Hoje, quatro séculos depois, os descendentes dos Tofinu vivem juntos no meio do lago, que é o chão de 30 mil residentes sobre casas de bambu e madeira. Ao invés de viverem de frangos, alimento da maioria da população do Benin, os habitantes de Ganvie comem peixes fisgados com varas produzidas com juncos e folhas de palmeiras. Da mesma forma, a única forma de se locomover pelas casas é de canoa. Por isso, a cidade foi apelidada de “Veneza africana”.
Os barcos entram e saem de Ganvie por meio de imensos canais entre as casas, seja trazendo e levando moradores da cidade do trabalho em terra firme, sejam comerciantes que passam por ali vendendo frutas, verduras, peixes, roupas, utensílios, sejam religiosos com os itens necessários para os rituais de vodu — a religião africana nasceu no Benin.
Ganvie tem hoje três mil construções, um banco, um posto dos correios, um hospital, uma igreja e uma mesquita. A escola é uma das poucas que foi erguida em terra firme, porque os habitantes queriam que as crianças praticassem esportes no vasto campo deserto que margeia o Nokoué. Segundo a imprensa sul-africana, há alguns anos que os moradores buscam terra nas bordas do lago para construir uma ilha dentro do lago, que servirá como cemitério.
A eletricidade da cidade é fornecida por painéis solares, geradores e estações que funcionam com a água do lago, enquanto os alimentos dependem do mercado flutuante. Na verdade, ele não é mais do que um pequeno lugar em que os moradores encostam suas canoas e negociam diretamente uns com os outros.
Em 1996, a Unesco, braço da ONU para a cultura, colocou Ganvie na lista dos patrimônios da humanidade, mesma época em que o aluguel de canoas em direção ao lago se tornou uma das principais atrações turísticas da cidade.
Os barcos saem de Cotonou ou da cidade de Abomey-Calavi, uma pequena cidade perto de Ganvie ao norte da capital. Apesar de um hotel ter sido construído no lago, a maioria dos visitantes prefere comprar a excursão de um dia só ou ficar nas hospedagens próximas, em terra firme.
“Visitar Ganvie é uma experiência fora do comum. Até hoje, ela é a maior comunidade conhecida do mundo que vive acima de águas. Tudo é conduzido pelo lago”, conta a brasileira Juliana Garcia, que visitou a cidade no ano passado.
“As casas foram o que mais me chamou a atenção: são muito diferentes umas das outras. Algumas têm terraços lindos, pequenos portos de canoas; outras são criativas o suficiente para construir pequenas praias dentro do lago. É impossível imaginar quantas viagens de barco eles fizeram para aterrar tudo”, finaliza.
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