Em minha viagem pela charmosa cidade de Pirenópolis, estive visitando duas igrejas que me chamaram muito a atenção, não somente por sua beleza, mas especialmente por suas histórias. A primeira, a Igreja de N.S. do Rosário, infelizmente conta com uma trágica história que marcou sua existência. Já a Igreja de N.S do Bonfim, é marcada por uma lenda muito curiosa. Vou então, falar um pouco mais sobre as igrejas de Pirenópolis.
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário
Esta foi a primeira e maior construção religiosa do Estado de Goiás. Teve as suas obras iniciadas entre 1728 e 1732, no local que, segundo a tradição, era denominado “Buritizal”. A fé e a riqueza dos aventureiros que viveram na época no auge da mineração do ouro das Minas de N. S. do Rosário fizeram que, em 1732, já fossem feitos os primeiros batismos no suntuoso monumento.
Não se sabe dizer exatamente de quem foi a iniciativa da construção e nem quem colaborou para a realização da grandiosa obra.
Ela foi construída de forma que, a qualquer hora do dia, o sol ilumine a sua fachada. A torre do lado do nascente foi construída em 1763. Até essa época, só existia a torre onde se encontra o sino. O assoalho da capela-mor, sob o qual se sepultavam pessoas ilustres da sociedade, somente foi colocado em 1758.
Os elementos artísticos que existiam nesta igreja eram no estilo barroco, de muita simplicidade. Existiam, antes do incêndio de 2002, cinco altares, todos ornados com laminações de ouro. No arco do Cruzeiro existiam duas estátuas de anjos e um cortinado com franjas, ambos esculpidos em madeira, que datavam de 1770. No teto da capela-mor estava pintada a imagem da Nossa Senhora do Rosário, datada de 1864. Havia também um barrado azul com grandes estrelas brancas na parede da Capela-mor.
Havia, nas torres, uma pia batismal em madeira, sua pintura imitava precisamente a pedra sabão, e na torre do campanário existiam 3 sinos datados de 1803 e 1865 e um relógio de pêndulo alemão, que funcionava, datado de 1885.
Tudo foi perdido no incêndio.
Restauração
Em 1997, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário recebeu sua primeira restauração total. Foi a maior restauração e reforma que este monumento teve em toda a sua história.
Ela se encontrava muito maltratada na década de 1980 e em precárias condições. O laudo emitido pelos técnicos do IPHAN relatou que a majestosa Igreja estava com os revestimentos externos despregando em inúmeros pontos; várias peças de madeiras da estrutura foram comidas por cupins e umidade, assim como os altares, forros e imagens. A igreja estava também comprometida por uma infestação de animais: cupins, formigas, abelhas, vespas, aranhas, pombas, maritacas, corujas, ratos e morcegos, o que veio a transformar a Igreja em um verdadeiro zoológico.
Com a verba destinada à obra de restauração da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis, iniciaram-se os trabalhos que se estenderam até o ano 2000, quando ela foi finalmente entregue à comunidade. O “Projeto Tocando a Obra” abrilhantou com musicais dentro da igreja e entregou a obra com maestria. O relógio alemão de 1885, voltou a funcionar e a majestosa igreja brilhou no alto da colina.
O incêndio
No dia cinco de setembro de 2002, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis praticamente se acabou em chamas, sobrando apenas sua carcaça. Sem dúvida alguma, essa foi uma grande perda patrimonial e comoveu toda a população da cidade.
A tristeza da população foi tamanha como se houvesse falecido um ente querido, uma mãe ou uma irmã extremamente querida.
Por volta das duas da madrugada, alguns jovens insones avistaram fumaça na capela à direita da igreja. Suspeitando que era realmente fogo, correram ao pároco e arrombaram a porta com machado. Ao entrarem, toda a nave estava enfumaçada e começaram imediatamente a tirar as imagens dos altares. Em pouco tempo, a fumaça era tanta que quase não mais conseguiam entrar. Logo depois os bombeiros chegaram.
Segundo contam, o fogo começou pela sacristia, invadiu a capela pela porta próximo ao altar-mor, consumiu o retábulo-mor e alcançou o forro e o telhado da capela. Neste dia o vento soprava forte, vindo da direção leste, e seco. Às 4 horas da manhã, quando o caminhão pipa chegou, o fogo já havia se espalhado por todo o telhado e feito este cair, pouco puderam fazer.
De acordo com os bombeiros, não se podia lançar água diretamente no fogo e nas paredes por causa do perigo de choque térmico, o que faria desabar as paredes. Então, o trabalho era proteger as casas da vizinhança, que ficaram sob perigo de incêndio tamanho era o calor, que fez até uma palmeirinha num quintal incendiar-se com o calor. Só puderam observar as labaredas consumindo a velha igreja. Segundo contam, suas chamas subiam pelas torres como numa grande fornalha, parecendo um vulcão cuspindo fogo. Há quem diga que viu os sinos da torre pingando. Tanto que após o incêndio, uma borra de metal derretido foi encontrado na base da torre.
Ao amanhecer, tudo estava consumado. A igreja fumegou por toda uma semana. Ainda hoje, muitos perguntam: Como foi que pegou fogo? Ninguém sabe dizer ao certo, nem a perícia técnica chegou a alguma conclusão. Sabe-se que no local onde provavelmente o fogo começou, o IPHAN havia denunciado algumas irregularidades, como: ligações elétricas clandestinas (gambiarras) com ferro de passar roupa; aparelhagem de som; bujão de gás com maçarico; ligação de água e esgoto não autorizadas. Na noite do incêndio, aconteceu por lá uma vigília até a meia-noite, alguém poderia ter largado velas nos altares… Há quem diga que o incêndio foi criminoso, após um suposto furto, mas o fato é que não se sabe nada ao certo.
A questão é que um patrimônio de valor como era o da Matriz, inestimável, não poderia ser largado à sorte, sem cuidados e vigilância, mas… aconteceu, lamentavelmente.
A reconstrução
Após o incêndio, em 2002, a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário de Pirenópolis foi inteirinha reconstruída, replicada em sua estrutura e forma original. Infelizmente, em seu interior pouco pôde ser acrescentado da ornamentação original.
Quando essa tragédia ocorreu, vieram as autoridades, governador, embaixadores e o então presidente Fernando Henrique, prestar pêsames, como a um ente falecido. Logo promessas foram feitas para a sua reconstrução. O primeiro passo foi um projeto de Salvamento Emergencial. Cercaram a Igreja com um tapume e a cobriram com uma cobertura metálica e uma tela nas laterais, para proteger os escombros do vento e da chuva. Escoraram as paredes e os vãos das portas e janelas com madeiras e tijolinhos maciços. Recolheram e peneiraram todo o entulho, separando restos de algum elemento, como o relógio, sinos, pedaços dos altares, ferragens e outros.
Atualmente a Igreja encontra-se concluída e no local do antigo Altar-Mor, encontra-se o antigo altar da Igreja de N.S. do Rosário dos Pretos, que foi demolida na cidade. Mais abaixo eu falo um pouco sobre ela também.
Igreja de N.S. do Bonfim
Atualmente, podemos dizer que a Igreja do Bonfim é a igreja mais original de Pirenópolis. Construída por iniciativa do sargento-mor Antônio José de Campos, que em 1755 trouxe da Bahia, num comboio que contava com 260 escravos, a imagem que está no retábulo-mor, de Jesus crucificado, em talha de madeira e tamanho natural.
Igreja muito querida pela comunidade, é costume da população pedir a benção do Senhor do Bonfim antes de viagens, casamentos e do início de algumas manifestações folclóricos-religiosas, como as Cavalhadas e a Folia do Divino. E ao retorno destas viagens ou manifestações também.
Até 2012, a igreja era usada para cultos esporádicos, casamentos e batizados, além de ser a única igreja do período colonial aberta a visitação pública sem taxação turística. Porém, em 2012, a igreja passou por um processo criterioso de restauração quando foram descobertas e restauradas as pinturas originais das paredes e forro da capela.
Hoje, artisticamente mais rica, a igreja é aberta a visitação de quarta a segunda, das 12h às 18h e cobra uma taxa de R$ 2,00 por pessoa. A igreja, apesar de ter sido reformada e restaurada com recursos públicos, é um edifício particular de propriedade da Diocese de Anápolis.
A lenda
Diz a lenda que a cidade de Pirenópolis não era o destino final da imagem do Senhor do Bonfim, que em 1750 vinha da Bahia rumo à cidade de Silvânia (na época chamada de Arraial Nosso Senhor do Bonfim), trazida por um comboio com mais de 260 escravos e sob o comando do sargento-mor Antônio de Campos Bastos.
Talvez, Pirenópolis não tenha sido o destino escolhido pelos homens para a imagem sagrada, mas os céus assim quiseram. A lenda da origem da construção da Igreja do Nosso Senhor do Bonfim é contada pelo querido sacristão da Matriz Nossa Senhora do Rosário, Eduardo Tadeu, que tive o prazer de conversar, que é um profundo conhecedor das histórias e lendas das igrejas da cidade.
Em uma extensa conversa que tive com Eduardo, ele conta que a Igreja do Nosso Senhor do Bonfim em Pirenópolis foi edificada entre 1750 e 1754, em estilo colonial português. Segundo ele, os 260 escravos que faziam parte do comboio que trazia a imagem de Salvador, ao chegar na entrada de Pirenópolis, estavam exaustos e sedentos por água. “Dizem que o caixote onde estava a imagem do Senhor do Bonfim foi colocado no chão, logo depois disso um raio vindo do céu teria caído a 50 metros desse caixote com a imagem. E no ponto do chão onde o raio teria atingido, uma pequena mina d’água surgiu para que os escravos pudessem matar sua sede”.
Foi então, no exato ponto onde o raio teria caído, que o sargento-mor Antônio de Campos Bastos resolveu edificar uma nova igreja ao Nosso Senhor do Bonfim, onde até hoje está a imagem que a princípio era para ser levada para a cidade de Silvânia. “Ainda hoje, vivem na cidade de Anápolis descendentes de Antônio de Campos Bastos, que guardam as argolas de ferro do caixote que trazia a imagem vinda da Bahia”, afirma Eduardo. De acordo com o sacristão, além dessa, existem muitas outras histórias interessantes de devoção e de milagres atribuídos à imagem de Nosso Senhor do Bonfim. Mesmo que sejam relatos que não tenham comprovação, são histórias que fazem parte da cultura e do folclore da cidade.
Igreja do Carmo e Museu de Arte Sacra
A Igreja de Nossa Senhora do Monte do Carmo foi construída em 1750 pelo abastado minerador Luciano Nunes Teixeira e seu genro Antônio Rodrigues Frota, para servir de capela particular dedicada, a princípio, a Nossa Senhora das Mercês.
Antônio Rodrigues Frota, cuja lenda e o nome do Morro do Frota o eternizam, construiu também um castelo de 2 andares além da singela capela, que ainda não possuía a aparência atual.
Em 1868, foram feitas grandes alterações que a colocaram com a aparência semelhante da atual. E, em 1935, sua fachada foi reformada e alterada para o estílo art-decó.
Em 1976, por iniciativa do Sr. Pompeu Christovam de Pina, a igreja resgatou seu estilo colonial e iniciou-se o processo de transformação em Museu de Arte Sacra.
De lá para cá, nestas três últimas décadas, a igreja manteve-se quase sempre fechada, em busca do tão almejado museu, só abrindo em algumas ocasiões especiais.
Mas somente em 07 de outubro de 2009, a Igreja foi aberta e inaugurado o Museu de Arte Sacra. Em seu interior podemos encontrar diversos objetos de culto, sinos, altares, imagens e painéis educativos. Com destaque para os túmulos dos construtores Luciano Nunes Teixeira e Antônio Rodrigues Frota, e as imagens de Nossa Senhora do Carmo, a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e a da Boa Morte da Lapa, que compunham os alteres-mor das extintas Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e da Igreja da Boa Morte da Lapa dos Homens Pardos e Pretos Fôrros.
Hoje, a igreja-museu está aberta a visitação de quarta a domingo das 11:00 às 17:00h.
Igreja de N.S. do Rosário dos Pretos
Esta igreja já não existe mais, uma vez que foi destruída em 1944. Ela foi construída pela população negra entre 1743 e 1757, na colina em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário.
Sem a riqueza que os portugueses usaram nas igrejas dos brancos, a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de Pirenópolis recebeu trabalho primoroso de entalhes e pinturas em madeira, com 7 altares cinzelados considerados os mais ornados da região e característicos do barroco brasileiro.
Desfigurada por sucessivas reformas acabou sendo demolida em 1944 por ordem da Diocese de Goiás. Suas obras de arte foram levadas para outras igrejas ou vendidas. Muitas também “sumiram” misteriosamente. Mas por ironia, o seu altar foi uma das peças primordiais para nos dias de hoje adornar a Igreja Matriz de Pirenópolis, após o original ter sido destruído no incêndio de 2002.
*Naira Amorelli em sua viagem por Goiás conheceu e visitou alguns atrativos turísticos com o apoio da Araraúna Receptivo, uma agência de viagens receptiva com sede na cidade de Gioânia, que possui roteiros integrados em todo o Estado de Goiás, e teve como fonte de informação o Portal de Turismo de Pirenópolis.