“O Rio de Janeiro continua lindo, o Rio de Janeiro continua sendo…” ah, os lindos versos da canção de Gil embalam todos aqueles que, como eu, são eternamente apaixonados por esta cidade única e incrível, que mesmo em dias turbulentos ainda reluta para respirar e manter sua dignidade de áureos tempos. Creio que cabe a nós, cariocas, a missão de divulgar com ainda mais amor as belezas e curiosidades que esta linda cidade possui e reforçar que devemos resistir e lutar por dias melhores, nós merecemos!!
Em matéria recente para a Folha de São Paulo, a escritora e também carioca Heloisa Seixas, destacou 10 lugares super especiais na cidade que merecem ser visitados e que estão fora dos roteiros turísticos tradicionais. Então, caro leitor, convido você a conhecer um pouquinho mais desta cidade tão apaixonante, através destas dicas super especiais. Confira!
Nestes tempos de baixo astral –no Rio, até o Carnaval está ameaçado– é preciso buscar alternativas, sair da rotina e, em vez de ficar só reclamando, encontrar caminhos. Foi assim, pensando em caminhos, que me lembrei dos segredos cariocas. Toda cidade tem seus pontos secretos, lugares que quase nunca estão nos roteiros turísticos. Paisagens e construções, antigas ou novas, que às vezes nem mesmo cariocas conhecem. Ou conhecem de ouvir falar, mas nunca foram lá.
Fiz uma lista de dez desses segredos, alguns muito bem guardados, outros nem tanto: há aqueles pelos quais passamos sempre, sem perceber que estão lá. Outros que conhecemos de nome, mas só. São lugares com charme, mistério ou história. Ou com tudo isso junto. E paisagens também, que no Rio não podem faltar. Os segredos do Rio são tantos que valeram a feitura de um guia –”Rio Secreto”, de Manoel de Almeida e Silva, Marcio Roiter e Thomas Jonglez (editora Jonglez, 320 págs., 2016, )–, mas fiz minha própria lista. E, repito, uma lista assim pode incluir lugares que estão bem ali, sob nossos narizes, mas dos quais sabemos pouco ou nada.
Espie a igreja rococó de São José
A igreja de São José, no centro, tem sofrido muito nestes tempos de crise. Fica ao lado da Assembleia Legislativa (av. Presidente Antonio Carlos, s/nº) e, sempre que há protestos pela falta de pagamento dos funcionários públicos, ou contra as reformas na legislação, a igreja tem ficado no epicentro do gás de pimenta, dos coquetéis molotov e das balas de borracha. Chegou a ser invadida por policiais militares em um violentíssimo embate no início do ano, gerando protestos da Arquidiocese e posteriores desculpas por parte da PM.
Pois essa igreja sofrida tem um segredo. Quem entra em sua nave, principalmente nos dias de semana, para apreciar o interior em estilo rococó (ela é de 1842), percebe de imediato um estranho ritual. No corredor à direita, pessoas à espera, formando uma fila. Uma a uma, as pessoas sobem ao altar –enquanto as demais continuam esperando– e desaparecem por trás dele. Passam-se alguns minutos. A pessoa que desapareceu ressurge do outro lado, à esquerda, e só então o próximo da fila sobe ao altar, para também desaparecer.
Qual o segredo escondido por trás do altar de são José? É uma imagem do santo, diante da qual as pessoas vão rezar. Não uma imagem qualquer: mostra são José muito velho, moribundo, cercado, em seu leito de morte, por Maria e Jesus. Em tamanho natural. É impressionante. Ouvi dizer que as igrejas de são José, em todo o mundo, têm uma simbologia esotérica, uma relação com os templários. Há templos dedicados ao santo que trazem nas paredes os símbolos do zodíaco, me garantiram. Não sei se há qualquer coisa de mágico aí. Mas diz a sabedoria popular que, quem entra pela primeira vez na igreja de são José, deve ir lá atrás do altar e fazer um pedido –que seu desejo será atendido. Não custa tentar.
Portal das Belas Artes desafia demolição
Quem entra no Jardim Botânico pelo portão principal (rua Jardim Botânico, 1.008)e percorre até o fim a aleia das palmeiras imperiais vai passar por um lago e acabará dando num bambuzal. Ali, cercada pela vegetação, encontrará uma construção de dois andares, constando de um arco ao rés do chão e uma parte superior com colunas.
Parece a fachada de um palacete neoclássico, mas é apenas um portal, a parte frontal de uma construção que foi, como tantas, demolida em algum dia do passado. Trata-se do portal da Academia Imperial de Belas Artes, de autoria do arquiteto francês Grandjean de Montigny (1776-1850). Granjean de Montigny, assim como o pintor Debret, veio para cá em 1816, como parte da chamada Missão Francesa, um time de profissionais que a corte de dom João, recém-instalada no Rio, mandou buscar na Europa, a fim de iniciar o ensino de artes e arquitetura no Brasil.
Dez anos depois, em 1826, era inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes, em prédio construído a partir de projeto de Montigny. A sanha demolidora dos brasileiros o alcançou em 1938, para que em seu lugar fosse erguido o Ministério da Fazenda (que afinal foi para outro espaço).E é um milagre que o arquiteto e urbanista Lúcio Costa (1902-1998), então diretor da Escola Nacional de Belas Artes, tenha tido a ideia de salvar ao menos o portal do palacete, transportando-o, pedra por pedra, para posterior reconstrução em meio às plantas do Jardim Botânico.
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Gabinete Português de Leitura é para rezar
Pode até ser que o Brasil inteiro conheça o Real Gabinete Português de Leitura, também no centro do Rio –mas sem nunca ter ido lá. É tamanha a beleza do lugar, que ele é muito usado em locações de comerciais de televisão, novelas e também de cinema. Até um filme do pessoal do “Casseta & Planeta” já teve cenas rodadas lá. E é possível que, ao ver tal cenário, no cinema ou na TV, as pessoas pensem se tratar de computação gráfica, de tão incrível.
O Real Gabinete foi fundado em 1837 por um grupo de imigrantes portugueses, mas o prédio onde ele funciona hoje (rua Luis de Camões, 30) só foi inaugurado em 1887.Sua fachada, em pedra de lioz e cheia de estátuas, é no estilo neo manuelino, rebuscado, o que faz o gabinete, por fora, parecer um templo. Mas é quando se cruza o umbral, após subir dois ou três degraus e percorrer um pequeno corredor, que se dá a visão mais impactante: por dentro, ele é um único e gigantesco vão de quase 20 metros de altura, sem divisões, com as paredes repletas de livros, de cima a baixo. No centro do teto, há uma claraboia de onde pende imenso candelabro de ferro trabalhado. Parece mesmo uma igreja. Dá até vontade de rezar.
Ladeira da Misericórdia é rua interrompida
Recentemente, os jornais noticiaram que há estudos do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) para tombar a ladeira da Misericórdia, no centro do Rio (largo da Misericórdia, s/nº). Aposto que, ao ler a notícia, teve quem pensasse: onde é mesmo que fica isso? Muita gente, mesmo entre os cariocas, nunca pôs os pés na ladeira da Misericórdia, embora talvez até já tenha ouvido falar dela. Por um motivo justo, aliás: a Misericórdia é uma rua onde não mora nem trabalha ninguém, uma ladeira que leva do nada a lugar nenhum.
A ladeira da Misericórdia fica na praça Quinze, entre o Museu Histórico e o Museu da Imagem e do Som, junto à Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso, numa região que hoje faz parte da nova orla, surgida com a urbanização do porto.
Mas, ao contrário de outros pontos do Boulevard Olímpico, ninguém presta atenção nela. Seu chão, forrado de pé-de-moleque (calçamento de 1617), é um pequeno aclive, mas acaba de forma abrupta, numa mureta. É um pé de ladeira, mais nada. Uma ladeira abortada, uma rua interrompida. Causa estranheza.
A ladeira da Misericórdia levava ao morro do Castelo, onde o Rio foi fundado –e o morro que foi posto abaixo em 1922, sob a alegação de que impedia a circulação do ar na cidade. Só o comecinho da ladeira foi mantido, provavelmente apenas para que a Igreja de Nossa Senhora de Bonsucesso não perdesse sustentação. E hoje ela está lá: é o testemunho de um absurdo urbano.
Peça licença para Nossa Senhora da Cabeça
Essa é segredo mesmo. Tem gente que mora a vida inteira no Jardim Botânico e não sabe que ela existe. A Capela de Nossa Senhora da Cabeça (rua Faro, 80) fica escondida no alto dessa ruazinha transversal do bairro e é preciso pedir licença para entrar.
A capela, construída em 1603, fica dentro do terreno de uma escola (e convento) das irmãs Carmelitas, a Casa Maternal Mello Mattos, e é uma das construções mais antigas do Rio.
Segundo o livro “Rio Secreto”, a igrejinha era a capela particular do Engenho de El Rey, de cana-de-açúcar, que pertencia ao governador Martim Correia (1575-1632). Foi a família dele que mandou trazer de Portugal a imagem de Nossa Senhora da Cabeça, que deu nome à capela.
O nome da santa tem origem no Monte da Cabeça, na Espanha, onde uma imagem da Virgem Maria foi escondida durante a ocupação muçulmana. Em princípio, as freiras permitem a visitação em dias de semana, entre as 9h e as 16h. Mas há exceções. Já houve quem chegasse lá e não conseguisse permissão para entrar nem para fotografar a capela por fora. Mas, se não fosse assim, não seria um segredo…
Instituto Europeu de Design mistura épocas
Passado e presente. O Rio também é isso. Essa conjunção entre tempos está bem representada num lugar: o IED (Instituto Europeu de Design ou, exatamente, Istituto Europeo di Design, que é o nome em italiano), na Urca.
A sede carioca do IED (av. João Luiz Alves, 13) funciona no prédio que um dia abrigou o lendário Cassino da Urca.
A construção branca, dividida em duas pela rua de mão dupla que dá acesso à parte mais extrema do bairro, foi balneário (nos anos 1920) e emissora de TV (a Tupi, a partir dos anos 1950).
Mas foi como Cassino da Urca que ela entrou para a história: entre 1933 e 1946 (quando o jogo foi proibido), o lugar recebeu artistas do mundo todo. E era lá que Carmen Miranda se apresentava, até ser vista por um empresário americano que a levaria para a Broadway.
Durante muitos anos o prédio esteve desativado, em ruínas, com paredes descascadas e arbustos crescendo nas rachaduras do reboco. Era uma tristeza. O IED teve de lutar para se instalar lá -a associação de moradores temia que o movimento fosse perturbar a vida pacata do bairro-, mas afinal conseguiu. Hoje, funciona como local de cursos, exposições e palestras e oferece uma delícia de bistrô, onde se pode degustar massas, pães, salgados, café e um sorvete fabuloso (fabricado pela Casa do Sardo), apreciando a vista da prainha da Urca, com a baía, os barcos e os perfis das montanhas ao fundo.
Terraço do Bossa Nova Mall vale visita
O Bossa Nova Mall é o óbvio e ululante de que falava Nelson Rodrigues: aquela história de que o Otto Lara Resende sempre passava pelo Pão de Açúcar, mas nunca reparava nele –porque era óbvio demais. Pois em frente ao Pão de Açúcar, do outro lado da enseada de Botafogo, fica agora outro óbvio e ululante: o Bossa Nova Mall (avenida Almirante Silvio de Noronha, 365), que por enquanto pouca gente, mesmo entre os cariocas, conhece.
Colado ao aeroporto Santos Dumont, esse espaço -eu não chamaria de shopping- composto de hotel, restaurantes, food trucks e diversas lojas, ocupa o que era antigamente a sede da Varig.
Com o fim da companhia aérea, o prédio ficou fechado durante anos, até ser todo reformado (retrofit, com a estrutura mantida). Agora, está aberto a todos. A simples ida ao terraço, onde funciona o restaurante do Hotel Prodigy, vale a visita. A vista é indescritível. O Bossa Nova Mall é o tipo de lugar que nos leva à pergunta: como é que ninguém pensou nisso antes?
Joatinga parece praia exclusiva
O Rio tem essa característica única: ser uma cidade com milhões de habitantes onde, em poucos minutos, é possível estar no meio de uma floresta. Ou de uma praia secreta –como a da Joatinga. Entre as praias mais escondidas do Rio, a Joatinga é a mais, digamos, acessível.
Basta descer uma escadinha. Uma vez lá embaixo, tem-se aquela sensação de estar passando férias em alguma prainha remota. Fica no Joá, na zona oeste (entre São Conrado e a Barra da Tijuca), em um condomínio fechado (rua Paschoal Segreto). Mas qualquer um pode entrar.
Uma vez dentro do condomínio, é só procurar a rua Sargento José da Silva e nela descer a tal escada que vai dar na praia. A Joatinga é pequena, tem cerca de 300 metros, mas, como fica encravada no paredão de pedra, passa a sensação de praia exclusiva, secreta mesmo -esse é o seu charme. Só tem um problema: em determinadas épocas do ano, o paredão faz sombra na areia e, bem cedo, já não bate mais sol. E mais: em dia de maré muito alta, o mar engole toda a faixa de areia e a praia desaparece. Mas essas vicissitudes só tornam a Joatinga um lugar mais raro.
Mirante da Catacumba é pouco procurado
Nos anos 1990, o fotógrafo e psicanalista Hugo Denizart (1946-2014) fez uma série de fotografias do parque da Catacumba, na Lagoa (avenida Epitácio Pessoa, 3.000). As fotos mostravam, por entre a vegetação do parque, fragmentos de um passado recente: ali, tinha existido a favela da Catacumba, removida em 1970. Denizart fotografou degraus, pedaços de cimento, restos de ladrilhos. Testemunhos, nas palavras dele, da vida humana que existira ali.
Até hoje, subindo a trilha que vai dar no mirante do Sacopã, lá no alto, é possível encontrar esses fragmentos. Alguns degraus de pedra ainda são os mesmos que foram colocados pela comunidade. O parque da Catacumba é uma reserva ecológica, com uma beleza de mata (a encosta foi toda reflorestada a partir de 1988). É também um lugar de exposições e de turismo de aventura. Mas o mirante do Sacopã ainda é um lugar menos procurado do que deveria ser, embora faça parte da Trilha Transcarioca.
A caminhada é bem tranquila e pode ser feita em meia hora, no máximo. E a recompensa, lá no alto, é total: uma das mais belas vistas do Rio, que inclui não apenas a Lagoa mas também a Pedra da Gávea, o Morro Dois Irmãos, a praia de Ipanema, o Corcovado, tudo –e de um ângulo menos batido.
E voltando ao caminho de subida até o mirante: é curioso imaginar que aquelas pedras, de tantas histórias, também foram pisadas há mais de 50 anos por um adolescente que vivia subindo o morro, em busca de farra ou de parceiros musicais. Um rapaz que atravessava a Lagoa de barquinho para ir até a Catacumba. O nome dele era Tom Jobim.
Parque Madureira é maior que a preguiça
Este praticamente todo mundo conhece -mas em geral só de nome. Turistas, e também cariocas da zona sul, têm certa preguiça de ir conhecer a zona norte da cidade, o que inclui Madureira.
Madureira é um dos bairros mais tradicionais e mais cariocas do Rio. Se não tivesse nenhuma outra qualidade, já seria sensacional por abrigar duas escolas de samba sobre as quais não resta a menor dúvida: Portela e Império Serrano (as duas foram campeãs do último Carnaval, em seus respectivos grupos, para felicidade de multidões).
Mas Madureira tem muito mais. E, há cinco anos, o bairro ganhou um espaço de lazer e cultura chamado parque Madureira (rua Parque Madureira, s/nº).
O parque Madureira foi construído num imenso terreno por cima do qual passavam linhas de transmissão da Light. Era área pública, mas estava invadida, e famílias tiveram de ser removidas. Ampliado em 2015, hoje é o terceiro maior parque da cidade (tem 450 mil metros quadrados), só perdendo para o aterro do Flamengo e a Quinta da Boa Vista.
Além de quiosques, gramados para piquenique, quadras de esporte, ciclovia, cascatas e espelhos d’água, o parque tem uma das mais modernas pistas de skate do Brasil, onde são realizadas etapas do campeonato mundial. Abriga também a Nave do Conhecimento, uma lan house pública, e um teatro muito bem equipado, a Arena Fernando Torres.