Eu era criança quando vi pela primeira vez as imagens do Egito pela TV, imediatamente pedi a minha mãe para me levar “lá” amanhã. Não tinha noção de tempo/espaço/custo (como era bom!), mas sabia que o Egito era um destino certo nas possíveis futuras viagens. Já adulto fui três vezes, e em todas elas, sentia ser a criança encantada que contemplava todo aquele universo inacreditável e enigmático. Uma fantasia de infância realizada gerando a plena sensação mágica onipotente, típica do universo infantil, de absolutamente tudo ser possível.
A oportunidade de navegar pelo lendário rio Nilo foi um sonho realizado e com um brinde, uma lua cheia que iluminava o deserto e povoados “como o dia”. É literalmente navegar pela história da humanidade, pois, entre 3.100 e 30 a.C., o Egito foi governado por um total de 33 dinastias que deixaram, praticamente em suas margens, seus legados arquitetônicos, culturais, religiosos, artísticos e científicos. Com apenas 3% das terras cultiváveis e 90% dos egípcios habitando as proximidades do rio Nilo, suas margens abrigam uma das maiores densidades demográficas do planeta: 1,3 mil pessoas por quilômetro quadrado. Nos quase 7.000 quilômetros de extensão e uma bacia que inclui outros sete países africanos: Ruanda, Tanzânia, Uganda, Congo, Quênia, Etiópia e Sudão, é no Egito que o rio ganha volume, força e assume a manutenção da existência de um país.
A frase “O Egito é um presente do Nilo” se entende e percebe neste cruzeiro. Na Alta Represa de Aswan, antes do inicio da viagem de navio, existe o complexo arquitetônico de Abu Simbel, construído em 1.200 a.C. a mando de Ramsés 2º, um dos mais megalomaníacos faraós da história, composto de dois templos: um dedicado aos deuses Amon, Ra-Horakhte e Ptah, tem em sua entrada quatro estátuas de Ramsés 2º, de 20 metros de altura; o segundo usado para a veneração de Hathor (deusa do amor e da fertilidade) tem em sua entrada estátuas de mais de 10 metros do casal real. Ao sair de Aswan, o cruzeiro chega ao complexo arqueológico de Kom Ombo, que abriga múmias de sagrados crocodilos. Ao aportar na cidade de Edfu, impressiona o templo de Hórus, erguido entre 237 e 57 a.C. repleto de estátuas desse deus em forma de falcão. O cruzeiro segue para o belo complexo de Karnak (com 1,2 km²), localizado dentro de Luxor, e dedicado a Amon-Ra e a deusa Mut. A exuberância de 134 colunas, algumas com 22 metros de altura por três de diâmetro e decoradas com hieróglifos surpreende mesmo após termos vistos vários templos e complexos arquitetônicos nesta viagem. E seguindo para o fim do cruzeiro, chega-se ao Vale dos Reis, onde estão os templos mortuários dos principais faraós. O túmulo de Tutancâmon, descoberto intacto em 1922 é a grande atração, e cujas relíquias estão no Museu Egípcio do Cairo. No Egito tudo é em excesso: o calor, a beleza, o esplendor, a pobreza, os temperos culinários, os deuses, o deserto… e o Nilo.
Na eterna humana busca do prazer, como pulsão da manutenção e luta pela vida, algumas situações desta conquista são inesquecíveis. E ficar sentado no convés do barco, de madrugada com lua cheia, deslizando calmamente pelo rio, avistando povoados, grupos de camelos, fogueiras acesas cercadas de conversas e bosques de tamareiras, faz parte dessas memórias afetivas de felicidade e prazer. Infelizmente minha mãe não pode me levar, mas, foi maravilhoso eu não ter perdido o desejo de …“ir lá amanhã.”
Por Anderson Zenidarci – psicólogo, supervisor, palestrante, pesquisador, professor universitário de graduação e pós graduação. Um viajante incontrolável e amante de arte que dedica-se em disseminar história e cultura em sua coluna Panorama Cultural publicada mensalmente na revista Psique Ciência & Vida.
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