Vamos em frente, para onde nosso olhar nos leva: pessoas, cruzamentos, faróis, a corrida vertiginosa das horas, o passo acelerado dos dias. Pois experimente contemplar o chão. Talvez você se surpreenda com desenhos que, não fossem calçamentos, estariam na parede de algum museu. E tem mais. “A calçada é, por excelência, o lugar do encontro”, lembra o professor Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade, de São Paulo. “É importante que exista vida nas calçadas, fruição urbana”, completa o arquiteto e paisagista Benedito Abbud. Para isso, além de bonitas, precisam ser largas, generosas. O mundo nos oferta belos exemplos, desde praças de séculos idos até antigas vias férreas transformadas em jardins suspensos. Casa Vogue selecionou, com a ajuda de especialistas, lugares em que você vai se deleitar.
Praça dos Restauradores – Lisboa
Entre os “artigos” de exportação de Portugal havia uma classe de trabalhadores especializada em fazer calçadas de pedras com desenhos requintados e uma técnica apuradíssima. Eram os calceteiros, responsáveis pelo primeiro calçadão de Copacabana. Em Lisboa, cidade onde o chão pode deixar em segundo plano a beleza de céus e oceanos, um espaço se destaca: a Praça dos Restauradores. Ali, um obelisco de 30 m foi erguido em 1886. Mas só em 1923 a praça nasceu ao seu redor, como esparramado calçamento exibindo o desenho do arquiteto e artista plástico João Abel Manta. Na capital portuguesa, é permitido pisar em obras de arte.
Passeio Marítimo de Poniente, Benidorm – Espanha
Quando uma cidade vive basicamente da renda proveniente do turismo é porque tem algo de muito especial. É o que acontece em Benidorm, que vem atraindo 5 milhões de visitantes todos os anos tanto para suas praias da Costa Branca quanto para uma novidade: o Passeio Marítimo da Praia de Poniente. Como inspiração, os autores do espetáculo, Carlos Ferrater e Xavier Martí, do escritório OAB, de Barcelona, se valeram da natureza, de Gaudí e de Burle Marx. E assim construíram um passeio em que se vê o concreto branco ondulado sob uma superfície que muda de cor ao longo de sua extensão e um mobiliário urbano mimetizado nessa nova e bela paisagem.
Canteiro central e calçadão de Copacabana – Rio de Janeiro
No Rio, em 1970, o trabalho humano conseguiu ser tão extraordinário quanto a natureza ao redor, atraindo as pessoas para esse convívio. Com a duplicação e o alargamento das pistas da avenida Atlântica, Burle Marx criou no canteiro central (foto) um mosaico geométrico com basalto negro, vermelho e calcário branco, do tal tipo que poderia estar no museu. A obra abraçava o calçadão da orla, capaz de ser reconhecido até por um marciano. Feito no início do século 20 por calceteiros portugueses, ele ganhou curvas pronunciadas, sensuais e bem brasileiras.
High Line – Nova York
Quem vê esse passeio bucólico que se estende por quase 2,5 km no Lower West Side, em Manhattan, nem imagina que ele começou numa batalha nos tribunais. Com a iminência de sua demolição, os moradores exigiam que se tornasse um espaço público. Venceram. A linha de trem, que havia funcionado entre 1934 e 1980, cedeu lugar a um corredor onde as pessoas se encontram, caminham, leem, fazem esculturas de neve no inverno e se bronzeiam no verão. O projeto leva assinatura famosa: Diller Scofidio + Renfro, além do paisagismo de James Corner. O High Line, inaugurado em 2009 e desdobrado no ano passado, também não esconde os dormentes que o ligam ao seu passado.
Míconos – Grécia
Além do mar e do alvo casario, é famoso em Míconos o calçamento de pedras formando mosaicos irregulares. Atração que fica ainda mais evidente na Vila de Chora, onde as buganvílias são presença constante, ao contrário dos carros, proibidos de circular pelas estreitíssimas ruelas, talvez uma resposta arquitetônica aos fortes ventos locais. De qualquer forma, o mosaico charmoso – ininterruptamente pintado para que o branco se mantenha branco, até mesmo no verão – conta com esse aliado para sua preservação: sobre ele, só leves e lentas passadas. Descoberta pelos jônios no século 11 a.C., a ilha foi redescoberta por Jacqueline Onassis, que deixou atrás de si um rastro de jet-setters internacionais.
*Matéria publicada em Casa Vogue